Unica placa de aviso de respeito a ciclista na estrada
Uma senhora cobra passeando por Marataízes/ES
Fazendo um selfie num calor infernal
Lindas paisagens pela caminho
Mutos caminhos fora de estrada
Queimadas
Nenhuma passagem de animais silvestres, nem por cima e nem por subterrâneo..
Em algum lugar no ES
Marataízes/ES
ES, um pouco antes de avistar a cobra
Parando para pedir água
ônibus travessia ponte região central Vitória/ES
Relíquias da era do Cacau BA
Um dos maiores Jequitibás no caminho pelo Sul da Bahia..
Povo que persiste em trabalhar na cultura do Cacau no sul da Bahia
Esse cara na beira da estrada me deu a unica garrafa de água que ele tinha no isopor..inacreditável..
Os meus maiores fãs eram funcionários de postos de gasolina...
O que me emprisionava era o seciamento do direito de ir e vir. As pontes não tem passagem para pedestres, nem em pontos onde temos cidades constituídas nas margens...surreal..
Pose para a foto de partida do albergue..
Ponte do Rio Doce, que está amargo pela Samarco de MG
Esse Jerome fez pose de pintura para essa belíssima foto do seu bar de madeira..
Rapaz, o sol me castigava na viagem...
Meus amigos do assentamento MST em Eunápolis/BA
Belíssima recepção dos amigos de Itabuna/BA
Chegada ao cafofo da mamis...
Almoçando com a família nova...
Passeando pela cidade para conhecer o resto da minha belíssima família..
Não poderia deixar de comer Jaca, não é!!
Conhecendo parte da família pela cidade.
Todas as tias e minha mãe.
Olha a minha mãe, ão deixando de comentar o que meu amigo Joãozinho me falou. Mano, olha a sua camisa e olha por qual estrada você pedalou...rs
Voltando de busão para SP
Morreu 50 pilas pela bike...rs
Encontro com o multi homem brasileiro, Ciclonauta Urbano, o melhor é que contei minhas intensões para algumas pessoas, entre elas essa figura que me achou por acaso do destino..
Fiz um testo com alguns relatos da viagem, segue na integra e vou corrigindo o português aos poucos...fui....
Desde os
seis meses de vida nunca houve uma figura materna na minha vida. Meu pai sempre
criou os três filhos sem companheira ou madrasta, pelo menos nunca apareceu com
uma namorada, nem mesmo fiquei sabendo de alguma aventura ou ouvimos comentários.
Já faz 11 anos desde o seu falecimento. Ele sempre falou pouco sobre a minha
mãe. Eu sempre soube da sua existência dela, mas acredito que era “bloqueado”
mentalmente em relação a qualquer sentimento, seja de saudade, amor, raiva ou
até mesmo curiosidade. Também eu tinha seis meses e nunca a vi ou sequer conversamos
nem fotos ou contatos durante esses 47 anos de separação. Eu não sabia como era
a sua voz ou a sua aparência atual. Sabe aquela coisa de não existir para você?
Até parece que nunca existiu uma figura materna na minha existência biológica.
Acho que devia ser esse o meu sentimento, isso até Abril de 2016.
Por toda a
vida sempre me senti um homem feliz e completo. Tenho os meus demônios, quem
não tem! Mas sou uma pessoa normal. “Tenho alguns lemas como principio de vida,
“não quero nada que não seja meu” e” não quero atrasar o lado de ninguém”. Tenho
muitos outros além desses. O meu finado pai apesar de ter sido rígido, nunca
nos deixou faltar nada, A criação era dura, mas o ser humano tem essa coisa de
adaptação, sabe. Também era o que tínhamos, não é! Eu tinha irmãos uma casa e
um pai. E quem não tem nada disso!
Desde que
conheci a minha atual esposa, ela às vezes me falava sobre eu ter algo “mal
resolvido”, existencialmente, entende! Em 2016 ela me disse uma coisa que mexeu
comigo “você nunca tentou imaginar o que passava na cabeça da sua mãe”. Essa
frase foi um tiro de misericórdia na minha consciência. Dessa data até o dia da
minha partida ao seu encontro (mãe), a minha cabeça não parava de pensar em
todo o seu sofrimento e no que poderia ter acontecido para ela nos abandonar. Era
uma grande duvida. Até porque o meu pai nunca falou mal da minha mãe e também
sobre o que havia acontecido. O máximo que disse é que em 1971 ela foi visitar
a sua mãe, a minha finada avó e ás vezes ela queria trazer algum familiar de
Itabuna para São Paulo, para ficar um pouco com eles. Imagina uma garota de 17
anos longe dos seus nove irmãos, avós e dos seus pais. Não deveria ser fácil.
Não me
lembro em que ano descobri a cidade em que ela mora atualmente (Itabuna/BA).
Nesse meio tempo, consegui um telefone celular e fiquei tentando um contato. Em
Dezembro já fazia oito meses que ela havia respondido o meu contato. Podemos
dizer que estávamos nos preparando psicologicamente para esse encontro. Ela a
principio estava muito desconfiada, resistente e temerosa, foi o que me pareceu
e as palavras dela remetiam a isso. Para mim até parecia normal. Imagina uma
mãe de uma hora para outra receber o contato do seu filho caçula, esse depois de
46 anos. Eu imaginava o coração dela. Ela não falava onde morava e não estendia
muito as nossas conversas nas mensagens de texto. Ela era meio monossilábica.
Com certeza devia
pensar que eu queria alguma coisa, bens, dinheiro, cobrá-la sobre ter me
abandonado ou não ter lutado para ficar comigo. Eu aos 47 anos de idade não
queria questionar, cobrar ou acusar por nada do passado. Podemos dizer que a
perdoo por tudo, só queria mesmo saber mais sobre a sua vida e a sua família,
ou, sobre a nossa família. Não conhecia ninguém desse lado da família. Eu tenho
a impressão, isso após as conversas via aplicativo com ela, que ela tinha medo
de alguma cobrança. O que não era a minha intenção. Eu não tenho nenhum remorso
no coração, pelo contrário, sou feliz e realizado em muitas coisas, só
queria mesmo é saber sobre a sua vida, se não a procuraria, ficaria quietinho
no meu canto. Eu queria mesmo era fechar de vez esse ciclo na minha
vida!
Hoje sou
formado, casado pela segunda vez e tenho um filho do primeiro casamento. Sou
micro empresário e além de trabalhar no segmento do ciclismo, ainda sou um amante
da bicicleta. Um dos meus passatempos é viajar de bicicleta, fazer o chamado “cicloturismo”.
Já cruzei alguns desertos, o Salar de Uyuni, Atacama, Andes e países inteiros, sempre utilizando a bicicleta
como meio de transporte.
No primeiro contato
com a minha mãe ela foi muito rude comigo, ela estava muito resistente, apesar
de eu deixar bem claro as minhas intenções (ver print zap). Não sabia o que
fazer para convencê-la a dizer o seu endereço, mesmo assim parti com a minha
bicicleta em direção a Itabuna. Eu confesso que a minha esposa também não sabia
da minha intenção em viajar de bicicleta de São Paulo até a Bahia. Viajar de
bicicleta é ou era uma coisa muito louca na cabeça das pessoas a minha volta.
Eu tinha receio de falar com a minha esposa e ela brigar comigo ou querer me
proibir de fazer a viagem. Resolvi me dar umas férias e adiar todos os meus compromissos
para fevereiro 2018 e seguir na estrada.
Acredito que
sou um viajante experiente, tenho todos os acessórios para cicloturismo, eu até
já tinha adquirido umas bolsas de viagem modelo “bike packing”. São bolsas para
o quadro, selim e guidão, só que no guidão coloquei logo duas. Elas são compactas
e são indicadas para viagens curtas ou que tenha alguma estrutura de apoio, do
tipo hotel, refeição, etc. Não são indicadas para locais onde seria necessário
acampamento, onde o viajante teria de cozinhar, também tem a questão da
temperatura, pois em ambientes de baixa temperatura é necessário muita roupa e
isso faz volume nas bagagens. Não é via de regra, sabe.
Eu já vinha
separando tudo o que realmente eu iria utilizar. No cicloturismo sempre levamos
itens que não usamos, acabamos dispensando pelo caminho doando ou enviando de
volta pelo correio. Eu tinha que ficar leve, mas precisava ter mantimentos para
pelo menos dois dias. Outra questão seria utilizar roupas extremamente
chamativas, tênis, camiseta e capacete, fora as luzes especiais. Era um dilema,
pois não queria chamar a atenção de meliantes, mas precisava chamar a atenção
dos motoristas. Eu iria seguir pela BR 101, a temida estrada da morte. Segundo a
minha pesquisa no Google seria 1800 km, isso sem utilizar rodovias estaduais ou
circular pelos locais. Sabia também que em alguns trechos não haveria acostamento,
um terror para ciclistas. Você imagina pedalar junto a carros em alta
velocidade e caminhões, ficar exposto ao temido vácuo dos eixos traseiros dos
caminhões. Quando o caminhão passa tirando uma fina do seu lado é perigoso. Já
tivemos muitas mortes devido ao ciclista estar do lado da carreta.
Relato diário da viagem de 05 de Janeiro de 2018 e 26 de Janeiro
de 2018.
Primeiro
dia de viagem - Montei a bicicleta no dia anterior e na madrugada do dia 05/01/2018,
mais precisamente às 04hs sai do meu apto no centro de São Paulo, para a “Cicloviagem
mais importante da minha vida”, a chamada “Cicloviagem as Origens”. Segui pela Avenida Celso Garcia
até a ponte dos nordestinos (Zona Leste), depois pelo Parque Ecológico do Tietê,
Rodovia Ayrton Senna, em direção a Mogi das Cruzes, Biritiba-Ussu, Bertioga, Jóquei
até Boissucanga, litoral
norte de São Paulo. Depois não teria mais forças para subir a serra até
maresias. Ela tem 3.5 km de subida e uns 1.500 m de altimetria. Nesse dia foram
difíceis 170 km, das 4hs até às 17hs e eu estava muito cansado. Quando passei
por Boracéia tive fortes câimbras na perna esquerda. Até achei que não
conseguiria mais continuar nesse dia. Depois de uma hora parado em um canteiro
e muita massagem com gelol consegui continuar a viagem. Nesse dia fiquei num
camping e até fiz um churrasco com alguns novos amigos. Montei a minha rede
militar com mosqueteiro e dormi tranquilamente.
Segundo
dia de viagem - No dia seguinte segui pela difícil serra entre Boiçucanga e
Maresias, penei muito, mais passei invicto e segui até Caraguatatuba. Lá procurei um hostel, mas todos estavam lotados. Não
achei um camping e nem consegui apoio da policia/bombeiro para montar a minha
rede. O meu objetivo era fazer a viagem em até 20 dias e por isso levei uma
rede militar com mosquiteiro. Ela é muito mais prática de manusear e fica
confortável. A barraca precisa de isolante térmico, um colchão inflável e tudo
isso faz volume e leva tempo para quem está afim de agilidade.
Consegui ficar
hospedado em uma pousada e lá fiz uma refeição digna num boteco, pra variar.
Adoro um PF (prato feito). Durante a noite começou a chover e eu sabia sobre a
fama de Ubatuba, a chamada “Ubachuva” e que os próximos dias poderiam ser
chuvosos e de fato foi. Eu pretendia rever um primo que não via há 35 anos, o
Eder Borges, uma figura divertida nas suas postagens facebook. Quando estou
acampado, hostel ou em pousadas, sempre no final do dia deixo preparado toda à
bagagem antes de dormir, só deixo para fora à roupa da pedalada e os itens de
higiene pessoal e proteção. Assim eu tenho muita agilidade, costumo sair antes
do dia amanhecer. As vantagens são ter menos pessoas e carros nas ruas, o frescor
da manhã e sempre acaba rendendo mais, mesmo se o trajeto for difícil.
Terceiro
dia de viagem - No dia seguinte as chuvas seguiram por todo o caminho e acabei
sem querer passando da entrada para seguir para a casa desse meu primo. Não
pretendia pernoitar por lá em razão da curta distância, mas só fui perceber que
havia passado quando avistei a placa da divisa do estado do RJ. Percorri 127 km
na BR 101 com fortes chuvas, neblina e subidas intermináveis. Eu já sabia e
estava preparado, acho que estava (risos). Sempre procuro conversar com os locais
(pessoas), para saber sobre o que vem pela frente, terreno, cidades,
periculosidade, etc. Sempre procuro abordar as pessoas aparentemente confiáveis,
de preferência pedestres e ciclistas, pois eles podem me passar uma situação
mais real. O motorista tem uma percepção muito individual e baseada na visão e
velocidade do carro, o que é meio incompatível com a da bicicleta, assim evito falsas
expectativas. Não é via de regra pois todos sempre ajudam no final das contas.
Depois de décadas
eu visitava Parati, a última
vez foi justamente com o meu pai. Como nessa viagem a programação iria variar
muito, eu acreditava que poderia pernoitar em Parati, mas não tinha plena certeza,
devido à possibilidade de ficar na casa do meu primo, era essa a minha
intenção, mas não aconteceu. Cheguei depois de 127 km pedalados e estava cansado
devido a tudo e principalmente a tensão na
troca de acostamento, isso porque nas subidas abria a segunda pista de
rolamento e eu tinha de ir para o acostamento na contramão, era muito perigoso.
Cheguei a
Parati e procurei rapidamente um hostel, se deixasse para muito tarde poderia
não achar nenhuma cama vazia. Os contatos via Couchsurfing e Warmshowers não retornaram
a tempo. Acontece muito quando se é homem (risos). Fiquei num hostel na praia pontal,
cheia de conchinhas. Estacionei a minha bicicleta em uma área interna ao lado
da recepção. A bicicleta tem essas vantagens, acessibilidade total. Os
cicloturistas sempre são preocupados com pousadas e hotéis, pois algumas não
dão aceso a bicicleta, mas no hostel é tudo diferente, são receptivos com
viajantes de bicicleta e alguns até não cobram a diária. Nesse hostel havia uma
legião de gringos. Adoro esses ambientes, pois tudo é compartilhado e não temos
o individualismo dos hotéis comuns. As pessoas se cumprimentam e interagem no
hostel, pelo menos na grande maioria deles. Abençoado hostel! Nesse hostel havia
uma turma de mulheres alemãs e algumas ficaram me olhando. Não é sempre que se
vê um cicloviajante chegando debaixo de chuva, parecendo um madmax. Rapidamente
me ajeitei, arrumei as bolsas e tomei banho. O cicloturista tem todo um
protocolo, são muitos itens que levamos para a viagem e dá trabalho. Fui
passear pela cidade a procura de um PF (prato feito). A estratégia é sempre
perguntar para um local, nunca falha e me indicaram um local bom e barato no
centro velho.
Depois do
jantar fui passear pela cidade, tinha centenas de barcos coloridos e um show que
iria começar mais tarde, mas começou a chover forte e a chuva não parava, Fui me
abrigando sob as marquises, até ficar ilhado em um bar cheio de argentinos,
alguns falavam muito alto, mas não teve jeito. Tive que esperar por lá mesmo. O
melhor mesmo nesse momento seria pedir uma cerveja e sentar para esperar a
chuva passar. Na mesa ao lado tinha um rapaz que olhava para os argentinos com
cara de insatisfação, isso devido a eles conversarem em voz alta. Ele chegou a me
perguntar se eu era argentino, quando disse que era de paulistano, ele começou
a criticar os argentinos e depois disparou em falar sobre a sua vida, falou da
sua ex-mulher, da separação e quando o seu tom de voz me pareceu meio agressivo
e até suspeito, digo, parecia um cara que arrumaria encrenca ou quem sabe
estava querendo tirar alguma vantagem de turistas. Um cara bem apresentável,
simpático, depois de uma conversa te convidar para conhecer a cidade e ir para uma
noitada, já viu né, infelizmente o tom de voz agressivo acendeu a luz amarela. Eu nem cheguei a falar
que estava viajando de bicicleta. Tratei de dizer que estava cansado, agradeci
e me despedi e segui para o hostel debaixo de chuva.
Quarto
dia de viagem - No dia seguinte debaixo de muita chuva segui pela estrada
sentido Angra dos Reis, foram 100 km.
Não conhecia a cidade e já sabia que precisaria pegar uma balsa/barco para
conhecer a parte mais bonita, mas isso não estava na minha programação. Como
sempre seguia conversando com muito locais, me avisaram que ficaria decepcionado
com Agra, e de fato fiquei. A cidade no continente era em grande parte situada
em morros, meio caótica, as praias no centro recebiam rios de esgoto fétidos.
Os únicos usuários das praias eram os urubus a espera de carniça. Fiquei
impressionado com a predominância do automóvel no layout urbano. O pedestre
dava voltas para conseguir transitar, ficava muito tempo esperando nas fases
semafóricas, fora os demais problemas para conseguir se locomover. Fui obrigado
a procurar o Shopping para jantar e a entrada era pelo estacionamento, o que me
pareceu estranho em comparação aos da cidade de São Paulo. Você seguia
espremido e oprimido em meio aos carros e sem uma faixa de pedestres. Em Angra até
as viaturas da policia estacionavam sobre as calçadas. O pedestre tinha de
transitar pela rua. Acabei fazendo uma refeição no shopping e começou a chover
forte, não tive como voltar para a pousada, não queria molhar o único tênis que
tinha. Tive que comprar um guarda chuva, tirar o tênis e seguir descalço, isso depois
esperar por três horas a chuva passar, o que não aconteceu. O guarda chuva
ficou de presente para o atendente da pousada.
Nas viagens
de bicicleta sempre temos situações inusitadas. Perdemos ou esquecemos muitas
coisas, erramos o caminho e damos uma voltar grande ou temos de voltar, levamos
tombos, quase somos atropelados por pássaros, os cachorros adoram correr atrás
de ciclistas viajantes, Acho que eles têm inveja da gente (risos). Nessa viagem
um urubu quase me atropelou na estrada, se não abaixo as cabeças daria uma
trombada, imagina o mico (risos). Nesse trajeto encontrei um ribeirinho
descalço e pedalando pela estrada, o cara tava todo sujo e pedalava numa
bicicleta barra forte bem velha. Ela me parecia ser marisqueiro e me acompanhou
por vários km, fomos conversando e ele não hesitava em seguir comigo nas
subidas. Fiquei impressionado com o seu condicionamento. Ele queria me vender
alguns caranguejos que havia pescado. Agradeci e recusei. O que faria com
dezenas de caranguejos vivos (risos). Outra situação inusitada nessa viagem foi
que um mecânico numa bicicletária, parei para trocar as partilhas do freio a
disco e ele me disse que a bicicleta deveria pernoitar, sendo retirada no dia
seguinte. Eu disse para ele “meu amigo, olha a minha situação”. Eu sou viajante
e uma pastilha de freio a disco se troca em 10 minutos. Não troquei.
A situação mais
hilária foi que nesse trecho chovia muito e eu só tinha quatro cuecas brancas
estilo sunga, três foram lavadas no chuveiro e como estava muito úmido, fiz um
varal do banco da bicicleta até a antena traseira com as bandeirinhas. Pendurei
as três cuecas para secar ao vento durante a minha pedalada. No decorrer da
viagem olhei para trás e não vi nenhuma das três. Voltei por um quilometro e
não consegui achá-las, ou seja, elas voaram do varal no acostamento. Tive que
improvisar nesse período, entende (risos). Também perdi a capa de chuva e a
lona plástica que cobria a rede de sereno e chuvas, perdi a minha bandana, uma
das luvas e todos os parafusos do suporte da câmera no guidão. Sem sacanagem,
acontece com todo mundo.
Quinto
dia de viagem (dois dias no local) - No dia seguinte sabia que precisava acelerar
126 km até Recreio, mais precisamente
chegar à praia da macumba, cidade do Rio
e Janeiro. Sabia que passaria por um trecho urbano meio complicado em Santa
Cruz. Um guarda da defesa civil me recebeu com honrarias de estado (risos), uma
moto me escoltou por um trecho, eles queriam que eu tomasse banho na central,
descansasse um pouco. Ficavam me dizendo que corria o risco de assalto ou
atropelamento. Infelizmente por onde pedalamos ouvimos as seguintes frases, “você
pode ser roubado” e “você pode ser atropelado”. São frases comuns aqui no
Brasil, mas segui com fé em Deus e a costumeira cautela. Até houve situações de
risco com lotações em alta velocidade, uma segunda tentativa ou uma suposta situação
que me pareceu uma tentativa de assalto. A primeira foi em Caraguatatuba. Sabe
quando a movimentação de pessoas estranhas te olhando e ai você sai da ciclovia
e cai na pista a todo vapor. Pois é, foram duas situações assim.
Sexto
dia de viagem - No dia seguinte segui por todas as praias da orla do Rio de
Janeiro, foram mais de 50 km de contrastes entre áreas ricas e pobres, Segui direto
para a barca da CCR, pedalando depois por Niterói, pela estrada de Itaipuaçu,
numa baita serra terrível, que dava acesso a Itaborai. Meu destino final era Saquarema, a famosa terra do surf.
Durante a travessia na barca o atendente e um ciclista regional me aconselharam
a evitar São Gonçalo, isso devido a minha condição e vestuário de alienígena
(risos). Diziam que eu seria assaltado nesse trecho. Assim tive que enfrentar a
serra de Itaipu, mas uma viagem de bicicleta sempre tem esses desafios. Eu não
imaginava que a RJ-106 teria inúmeros pontos de serra sem acostamento. Seria um
dos trajetos mais perigosos durante a minha viagem. Por Palmital, na RJ-128,
segui tranquilamente para Saquarema.
Muitas pessoas
locais me perguntavam se a minha viagem de bicicleta era promessa, romaria,
delicadamente me classificavam de louco. Já estou acostumado à cultura do carro
de alguns brasileiros e quanto ao espanto quando falava que estava viajando de
bicicleta. Inclusive sou o único em toda a minha família a andar de bicicleta.
Um verdadeiro ET (risos). Infelizmente a nossa cultura ainda é assim, mas está
mudando. Nas minhas paradas para pegar água nos postos, sempre era bem atendido
pelos frentistas. Uma vantagem de pedalar pelas estradas é que quase todos os
postos tem água gelada e os frentistas são receptivos e curiosos. Eles riam
quando você entrava de bicicleta, parecendo um personagem do filme MadMax
(risos). Quando a pessoa insistia muito em saber mais sobre a minha viagem, eu
abria o jogo sobre o real motivo. Eram
reações diversas, gente incrédula, arrepiada, totalmente muda, olhos marejados,
euforia, criticas, etc... Foi assim que resolvi ir gradualmente abrindo nas
postagens no facebook e instagram. Essas reações me davam força para continuar.
Parece bobagem, mas só quem esta numa empreitada dessas para saber que
realmente é um apoio, uma palavra de carinho da pessoa te ajuda a enfrentar
todo o sofrimento desse tipo viagem a solidariedade é um combustível para
prosseguirmos, enfrentarmos as dificuldades. Viaja de bicicleta trás um misto
de sentimentos.
Agora imaginem
quais eram as minhas expectativas sobre o encontro com a minha mãe. Entre nós
existia uma muralha da China. Eram 47 anos de construção desse muro e ele que
estava sendo demolido a cada dia de viagem. Os meus sentimentos eram de
abandono, receio quanto à indiferença, agressividade, insensibilidade e muitos
outros sentimentos, podemos dizer até de uma indiferença mutua entre nós. Eu não
imaginava o que iria conhecer dezenas de parentes. Não era só a minha mãe, tinha
tias, tios, primos de primeiro, segundo e terceiro grau, vizinhos, amigos e
curiosos. Acredito que a bicicleta foi à principal ferramenta para o sucesso do
nosso encontro. O universo sempre conspira, pode acreditar. Eu e os meus
demônios, todos temos alguns, sem hipocrisia. Demônios que podem estar em tudo o
que se carrega durante a vida, tudo que se viveu, como se viveu, com quem se
viveu ou vive, dentro do seu entendimento de mundo.
A BICICLETA,
sem duvida nenhuma nesse caso, foi o INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO. Sim, todo o tempo
que levei para pedalar de São Paulo até a cidade de Itabuna, falo em 2.200 km
em 18 dias, sendo 15 dias efetivamente pedalados. Uma média de 150 km por dia. Esse
tempo de viagem fez com que eu e a minha mãe conversássemos muito via mensagem.
Ela criou uma conta para poder falar comigo. Ela é uma senhora de 72 anos e acredito
que não liga muito para essa coisa de tecnologia. Toda a sua preocupação e
incredulidade sobre eu ter optado em viajar de bicicleta fez com que me
acionasse frequentemente. Ela não acreditou quando ficou sabendo, bem aos 48 do
segundo tempo que eu iria de bicicleta ao seu encontro. Essa forma de viajar fez
com que a todo o momento ela me acionasse para saber se eu estava bem, se havia
almoçado ou jantado, onde eu iria dormir. Sentia essa sua preocupação nas mensagens.
Todas as palavras eram como um manto de carinho e amor sobre o meu sofrimento. Esse
carinho até então nunca eu havia sentido ou recebido. Tudo isso me fazia
desmoronar em lágrimas em alguns momentos durante a viagem, inclusive durante a pedalada,
a emoção batia forte no coração. Eu ficava imaginando como seria esse encontro.
As pedras dessa muralha começavam a cair pelo caminho. A cada mensagem o meu coração se enchia de
amor e de esperança. Os anjos me protegiam nesse caminho. Eu nunca havia
sentido isso. O meu pai era rígido na criação, não
me lembro de um carinho na minha cabeça ou um beijo no meu rosto, até mesmo
nunca havia ouvido uma palavra conforto. Infelizmente essa é a realidade, não
estou julgando ele, foi um excelente pai, cuidou dos três filhos a vida toda.
Que Deus o tenha.
Chegando a Saquarema
sai à procura de um local para dormir, como era um dia de show do Gustavo Lima
a cidade estava lotada e fechada para veículos. Um guarda municipal chamado “Bira”
me abordou e disse que me reconheceu devido um acessório laranja na bicicleta.
Ele disse que me viu em Niterói e durante a nossa conversa se emocionou com a
história e indicou alguns locais para pernoitar. Depois de todo o tramite em
desmontar as malas, arrumar as bagagens e tomar banho, sai para conhecer a
igreja Nossa Senhora de Nazaré, uma centenária que fica no ponto mais alto da
cidade, a beira mar e que tem um cemitério com uma vista fantástica do oceano.
Vale a pena conhecer.
Na manhã seguinte
passei de bike pelo mirante dessa mesma igreja e sai pela praia sentido Arraial
do Cabo. Algumas pessoas locais me avisaram que a RJ-102(70 km) era esburacada
e sem acostamento e resolvi seguir pela RJ-106(60 km), acho que deveria ter
arriscado, essa estadual ficava entre o lago de Saquarema e o mar. Deveria ser um
bonito visual. A viagem seria tranquila em relação à distância, só o relevo e a
temperatura eram duvidas frequentes. Nesse trecho foi onde avistei inúmeras
cruzes nos canteiros locais, um símbolo que indica mortes em acidentes. Muita
gente morre em acidentes nessas estradas, perdi as contas de quantas cruzes
avistei. Outra situação é a quantidade de aves, repteis e roedores mortos na
pista. Muitos, falo de dezenas que avistei caídos nas estradas.
Sétimo
dia de viagem (dois dias no local) - No caminho até Arraial do Cabo passamos obrigatoriamente por Salinas, ou pelo
menos o que restou de uma grande empresa que extraia sal para comercializar. Acredito
que ainda extraem e isso me lembrou do Salar de Uyuni na Bolívia. Eu percorri
toda a Bolívia em 2014, passando pela estrada da morte, deserto altiplano
boliviano, deserto de Sal, o Salar de Uyuni e as cidades de Oruro, Potosi,
Sucre, Cochabamba, Santa Cruz de La Sierra, voltando para Corumbá/MS, isso no
lendário Trem da Morte. Foram 21 dias em 2.000 km pedalados e muitas emoções!
Em Arraial
do Cabo me deparei com uma legião de carros seguindo no trânsito caótico e eu sempre
livre, leve e solto, transitando pelo acostamento. Ali pretendia conhecer o meu
amigo de longas datas, o artista plástico Marcelo Beja. Um cara impar, que
largou a carreira de empresário para viver da arte. Como ele sempre diz “eu reencarnei
dentro da minha própria existência na terra”. Um cara super evoluído. Eu achava
que ele tinha alguns chalés para e poderia me acomodar ou alugar, mas percebi
que na realidade eu iria mesmo ficar no quarto para hospedes. Fique tão sem
graça, pois não gosto de incomodar as pessoas, mas ele foi tão receptivo que me
deixou a vontade. Foi uma alegria poder ficar mais um dia em sua bela casa e
ouvir sobre a sua filosofia de vida e também em conhecer a sua esposa, a Áurea
Bandeira. Uma pena que não conheci as suas filhas. Nem quando passei por
Vitória, pois infelizmente teria que me apressar para cumprir o tempo de
viagem. Arraial do Cabo é um lugar impar e aproveitei para pedalar e caminhar pelas
praias lindíssimas, dar um mergulho em suas águas cristalinas. O mais
interessante é que Arraial do Cabo é um arquipélago e de um lado as águas são
quentes e do outro lado é gelada. A Praia Grande tem 57 km de extensão, ligando
Arraial a Saquarema. Mas não dá para pedalar, infelizmente. Perde-se de vista o
final da praia, parece uma praia do Caribe. O único problema é que o acesso à
cidade é somente por uma via. Pode acreditar. Recomendo conhecer esse paraíso.
Nono
dia de viagem - No dia seguinte despedi do Marcelo Beja e bem cedo sai pela
cidade, não tinha carros e pessoas nas ruas. Segui pelo único acesso a rodovia
e sabia que não conseguiria chegar ao meu destino antes do por do sol, ou seja,
teria que dormir pela estrada. É por essa razão que levo os equipamentos para
cozinhar. Até esse dia não havia furado um pneu e foi só pensar nisso que aconteceu,
foram seis durante toda a viagem, sendo dois nesse mesmo dia. Os caminhões que rodam
com o pneu até a lona solta arames que furam o pneu, transpassando até a fita antifuro.
Aviso aos pedalantes, muito cuidado e se preparem nesse trecho. Um desses furos
aconteceu às 17hs bem num posto de gasolina na estrada, o Posto Timbozão na Rodovia BR-101, Km 154 na região de Macaé. Fui obrigado a pernoitar
nesse posto e a noite estava sentado em uma mureta e tinha três homens comendo
e conversando, um deles me perguntou sobre a viagem e contei que estava indo de
São Paulo a Itabuna, não falei sobre o real motivo. Ele disse que era pastor e
pediu se poderia fazer uma oração para mim naquele momento. É claro que disse
que sim e ai os três homens posicionaram as suas mãos sobre os meus ombros e
começaram a orar em tom de voz médio. É sempre bom contar com palavras de
motivação e conforto nesses momentos. Glória Deus, disse ao final. Eles partiram
em seguida.
Pendurei a minha rede
entre duas carretas de combustível no pátio, montei o fogareiro e fiquei por lá
mesmo. Tomei banho em um banheiro que confesso ser um dos piores que já usei
até hoje, mas estava preparado para isso. Confesso que dormi pouco por diversas
razões, a antena estava ligada em relação à segurança no meu entorno da rede,
estava preocupado com a bicicleta, tinha muitos pernilongos. A tela da rede
rasgou em dois pontos permitindo o acesso dos pernilongos. Também tinha a
movimentação dos bitrens de eucaliptos no acesso ao posto. Quando acessava o
posto eles chacoalhavam tudo, inclusive balançava a minha rede e as duas
carretas. O fator mais engraçado eram os roncos, pois é. Dois motoristas
resolveram armar as suas redes ao meu lado e um deles parecia um trator
desbarrancando um morro. O chefe do posto me ofereceu uma carona até a entrada
de Guarapari, uns 110 km de distância, eu disse a ele que se aceitasse a carona
a minha proposta de viagem com bicicleta perderia o sentido. Mas confesso que
me senti tentado, até por que ao meio dia o sol era muito forte, tinha momentos
que parecia que iria desmaiar com o bafo na estrada.
Décimo dia
de viagem - O
Marcel Foryta era um amigo do fórum de cicloturismo e me receberia pelo Warmshowers
em sua casa. É um site de relacionamento internacional para viajantes de
bicicleta. Existem muitos outros, mas todos voltados principalmente para
mochileiros. O Marcel morava e trabalhava na Cidade de Campos de Goytacazes/RJ. Nesse trajeto tinha duas situações a
escolher, ou eu enfrentava o calor sem o vento contra pela BR101, ou eu iria
beira mar com o vento contra, mas sem calor. Mas depois de saber que no caminho
pela praia eu corria o risco na entrada e saída de
Macaé, acabei optando pela BR escaldante mesmo. Nesse dia o percurso seria dea
100 km até o centro de Campos. O Marcel iria me receber na cidade e nesse dia
era feriado local. Chegando pela estrada ele estava no acostamento e fomos pedalar
pela cidade e aproveitamos para almoçar, ele também me acompanhou ao banco para
pagar umas contas e sacar dinheiro em espécie. O Marcel é um usuário de
bicicleta que esta se preparando para uma longa viagem pela América do Sul. Ele
recebe viajantes de todo o mundo e ainda
pesquisa sobre o temas para a sua viagem futura. Nesse dia a pedalada rendeu
100 km até o meio dia. O meu estilo de bagagem “bike Packing” proporciona
velocidade. À noite fomos comer uma pizza e seguimos a pé mesmo, conversamos
muito sobre vários assuntos relacionados à bicicleta, viagens e a minha em
especial. O cara foi super receptivo e me senti em casa. Um grande anfitrião.
Décimo
primeiro dia de viagem (dois dias no local) - No dia eu e
o Marcel saímos de madrugada pela cidade e ele me acompanhou até a rodovia. O
Marcel entrava às 06hs no trabalho e casou com a minha saída. Nos despedimos e
segui pela escuridão no acostamento sentido a divisa dos estados. Eu sabia que
seria o dia mais puxado da viagem, pois seria 183 km até a casa do meu amigo de
infância, o Ian Bergman em Guarapari. Um super brother que convivi na infância
e parte da minha juventude. Eu havia visto ele pela última vez há 22 anos atás.
Era uma viagem de reencontros e encontros. Eu só não sabia que em Marataizes
teria o pior vento contra de toda a minha história no cicloturismo. E olha que
já passei poucas e boas em Mendonza e no litoral do Uruguai. Nesse ponto da
viagem um carro escuro emparelhou comigo na estrada e do vidro do passageiro
aberto surgiu um braço com uma garrafa de água gelada. Um casal simpático a
minha condição ofereceu uma garrafa de água e prontamente aceitei, agradeci
dizendo que Deus abençoe a vocês. Por vários momentos me foi oferecido alguma
coisa de presente, isenção de pagamento na estadia, carona no trajeto, guarida,
água de coco, fiz até a barba de graça na cidade de São Francisco de
Itabapoana, divisa do RJ com o ES.
Como já se
não bastassem os perrengues, quando estava chegando e Guarapari, enviei uma
mensagem para o Ian e ele me avisou que havia voltado a morar em Barra do Jucú, Vila Velha, ou seja, seriam
mais 56 km e já era 17hs. Eu não gosto de pedalar no escuro. Sempre procuro me
deslocar durante o dia. Eu queria rever o Ian e também não queria pagar mais um
dia de hospedagem. Enfim, segui em frente e cheguei a casa dele por volta das
22hs, foram 230 km no total. O Strava nesse dia informou que eu havia consumido
5.000 calorias. Realmente eu já não aguentava mais pedalar, pensar e o vento
contra, foram 140 km de vento contra me grande parte do percurso. Cheguei a
Barra do Jucú e liguei para o Ian, não conseguia mais raciocinar. O escuro me
travou a bussola (risos) e havia seguido pela rodovia e parado num posto da
policia para pedir informação. Tive que voltar, pois passei alguns quilômetros
do ponto da entrada. Quando cheguei ao bairro, as ruas tinham o piso de
paralelepípedo, o que dificultava muito a pedalada, juntando com o cansaço,
comecei a ficar esgotado.
Fazia 22
anos da minha última passagem pela Barra do Jucú, um lugar especial. Lá conheci
o carnaval dos bloquinhos de rua, uma festa a moda antiga que as famílias se
fantasiavam e iam para as ruas. Um momento especial e único. A família da
esposa do Ian foi muito receptiva e acolhedora, mesmo depois de mais de duas décadas.
Fico feliz em saber que o Ian esteja bem, casado e com duas filhas, a Lana e a
Anne. Aproveitamos a noite para visitar a sua mãe, a querida Dona Marilena
Bergmann, que agora era viúva do Sr. Ernest Bergmann, um alemão que junto com ela,
deram a volta ao mundo em um fusca. Pois é. Ela me disse que nessa viagem nasceram
os cinco filhos, todos em países diferentes e entre as décadas de 60 e 70.
Nessa mesma noite descobri que a Dona Marilena tinha toda essa viagem em filme,
um verdadeiro tesouro.
Ela sempre
foi uma pessoa a frente da sua época, super ativa, escritora, vaidosa, autora
de peças teatrais e, pertencente a associações culturais locais. Uma verdadeira
layde. A sua casa sempre foi especial, mesmo quando ela morava no Estado de São
Paulo. A sua casa é acolhedora e recheada de cultura, arte e bons fluidos. Ela
continua firme, mesmo depois da perda do seu marido com 94 anos á três anos
atrás e da morte prematura dos seus dois filhos, o Sandy e o Frank,
acontecimentos lamentáveis. Que Deus os tenha. O Ian ainda tem duas irmãs, a
Jeanine que mora no Rio de Janeiro e a Ina que mora na Inglaterra. Que Deus
abençoe a todos dessa linda família. É sempre bom estar com eles, mesmo depois
de muito tempo.
No dia
seguinte eu fui com o casal passear pelo bairro, paramos para tomar uma cerveja
em um bar local bem legal. Todos se conhecem por aqui. É curioso para nós da
cidade grande, onde o individualismo impera. Nós conversamos sobre muitos
assuntos, o Ian me lembrou de acontecimentos que eu já havia esquecido,
inclusive falamos sobre a minha mãe. Quem bom que ele faz parte da minha
história. Eu ainda reencontrei a Mara, que é irmã da Karina. Agora todos estão
casados e com filhos. Todos me parecem super bem, acho que deve ser esses áreas
praianos (risos).
Décimo
terceiro dia de viagem – Acordei cedinho para aproveitar o frescor da
manhã. Só consegui me despedir da Dona Magda Claide, a sogra do Ian. Ela super simpática
e atenciosa me desejou boa viagem. A casa do Ian deve ter um 300 m2, com
dezenas de cômodos (risos). Até hoje não sei onde era o quarto deles (risos). Nesse
dia o meu destino seria a cidade de Linhares
(169 km) e após passar por Vitória, só me restaria à fatídica BR-101 sob o
sol escaldante. Quanto mais eu me aproximava do destino, mais meu coração
disparava. A todo o momento eu imaginava com seria o encontro com a minha mãe. Uma
avalanche de sentimentos bons e ruins passava pela minha cabeça.
Nessa parte
do caminho eu já havia me cansado da praia, Eu queria mesmo era chegar a
Itabuna dentro do prazo inicial. Uma frase que ficou na minha cabeça foi dita
pelo Marcel em Campos de Goytacazes. Ele disse que as praias mais bonitas estavam
entre Arraial do Cabo e Vila Velha, depois ou eram iguais ou inferiores. Então, borá focar na
velocidade. Eu segui pela BR/101 e depois de passar pelos trechos em obras, os
mais perigosos e chatos, isso entre as cidades de Serra a Fundão. O restante do
trecho tinha acostamento e a rodovia era concecionada, ou seja, tínhamos uma
rodovia melhor conservada, com pontos de apoio e principalmente socorro médico.
Na estrada, depois de um pedágio um veiculo novamente emparelhou comigo e me
ofereceu uma garrafa com suco de caju geladinho. A gente até assunta, pois as
coisas não andam muito bem no Brasil. Meus amigos quando pedalam por alguns
países na Europa relatam que as únicas coisas que ouvem são proibições de
acampamento, altimetria e estrutura de acolhimento ao viajante, Nenhuma informação
sobre insegurança, falo de assalto ou furto. Agradeci pelo presente e disse “Deus
abençoes a vocês”. Isso me energizava.
Chegando a Linhares, bem
no final do percurso, em uma das descidas intermináveis perdi uma das garrafas
d’ água. O Denit faz “ranhuras” de alto relevo para escoar a água da chuva e
isso dá um solavanco na bicicleta e a minha garrafa voou no mato. Acabei
perdendo essa garrafa. A outra rachou devido à frequência de manuseio e vazou
toda a água. Parei numa barraca bem simples, onde um ribeirinho vendia cachaça
para motoristas, é verdade, estava escrito nas placas. Perguntei se vendia água,
mas quando soube do real motivo da minha viagem, ele me presenteou com as suas
garrafas de água. Detalhe, ele não vendia água. Olha a solidariedade das
pessoas simples, bem maior que muitas pessoas no caminho.
Na cidade de Linhares fiquei
em um hotel de R$40,00 a diária. A dica é chegar ao hotel/pousada e perguntar
sobre a disponibilidade do quarto mais em conta. Depois você fala que vai
visitar outros hotéis e sempre rola um descontinho. Pode acreditar! Peguei um
quarto com internet, TV a cabo, ar condicionado, apesar de não usar, água
quente e café da manhã. Veja como algumas cidades conseguem oferecer tudo isso a
um custo inferior à cidade de São Paulo.
Só depende de nós exigirmos e fazermos a coisa acontecer. Com eu havia chegado
tarde a cidade, não tive tempo de fazer um tour. Só fui a procurar o PF (prato
feito). Linhares me pareceu uma cidade bem organizada. Pelo menos o viário e as
calçadas eram.
Nessa noite lembrei que na
saída de Vitória eu parei em um posto de gasolina para calibrar os pneus.
Alguns ciclistas me abordaram para perguntar sobre a viagem. Eu já estava
acostumando à curiosidade alheia, faz bem para nós essas abordagem e perguntas.
Um senhor com uma criança na cadeirinha da bike pediu para ajuda a calibrar o
pneu, de pronto ajudei. Antes de ir embora ele me parabenizou e avisou para
tomar cuidado na altura da Reserva Biológica de Soorotema/ES, pois eu poderia
ser atacado por felinos, fiquei incrédulo. Até estava pensando em acampar pela
estrada, mas depois dessa informação desisti. Vou confessar que fiquei
impressionado com as imagens de animais atropelados em banners na estrada na
altura desse parque. Era nítido o abandono das estruturas voltadas ao turismo e
a conservação do parque. Ele
é lindo, mas a polícia ambiental não fica mais lá, o posto está vazio. As
medidas tomadas com o intuito de proteger os bichinhos de atropelamento, na
verdade, é fonte de multa e só aumenta a arrecadação, nada proteção dos
animais. Segundo relatos não tem mais ação educativa, a vigilância contra os
caçadores é pobre. A reserva está largada. Na pior das situações, posso estar
enganado, é em não ter as passagens nas alturas e as subterrâneas, isso para os
animais cruzarem a rodovia durante a noite. Essa reserva é gigante e cortada
pela BR, os animais atravessam a pista e são atropelados pelos veículos em
altíssima velocidade. Quisera eu ter um radar para registrar os veículos que
passaram por mim. Muito triste.
Décimo quarto
dia de viagem –
Hoje gostaria de chegar a Teixeira de Freitas (230 km), mas era quase
impossível, o máximo que conseguiria era chegar a Pedro Canário/ES (133 km). Fiquei num hotel Gaucho simples na entrada
da cidade e jantei por lá mesmo. A cidade até então me parecia muito pequena. Nesse
hotel me obrigaram a deixar a bicicleta na entrada do restaurante, não deixaram subir para o quarto, uma pena.
Esse hotel parecia que vinha ganhando puxadinhos e tinha escadarias
vertiginosas. Tirei a roda dianteira e o selim com canote, pois mesmo sendo um
ambiente interno eu tinha receio de ser furtado. Até chegar nessa cidade sofri muito
com as subidas e a falta de acostamento. Era muita tensão com ônibus e
caminhões que me ultrapassavam. Uma dessas carretas com areia passou em alta
velocidade e perdi o controle com o vácuo, fiquei desgovernado e sai pelo
canteiro entrando numa valeta de escoamento, foi a minha sorte. A minha velocidade
era de 18 km e só não cai por um milagre. Era a segunda vez que era pego por um
grandão desses, só que da outras vezes foi o vento e um grande susto, mesmo com
o retrovisor no lado esquerdo. Só pedalo pelo bordo direito da pista.
Décimo quinto
dia de viagem – No
dia seguinte aproveitei o café da manhã e cai na estrada sentido Teixeira de Freitas/BA (98 km). Eu tinha alguns problemas, o primeiro começaria
na divisa do estado da Bahia, pois com o fim da concessão, acabaria o
acostamento. O segundo problema era o pedal querendo travar. Em alguns momentos
ele virava junto ao eixo no pedivela. A paisagem também mudava um pouco de
estado para estado. O Espírito Santo me parecia ter cidades mais desenvolvidas,
enquanto o sul da Bahia me parecia ser ao contrário, falo das demais cidades
fora Teixeira de Freitas e Eunápolis, que são cidades maiores. Eu já havia
recebido a boa notícia no caminho, sobre o fim do acostamento na divisa de
estado. Até brincava sobe se teria alguma noticia boa (risos). O Meu joelho
direito voltou há doer um pouco, o que poderia ser o fim da ida com bicicleta,
teria de pegar um ônibus. O joelho já vinha apresentando sinais e isso me
preocupava. Será que eu estava em vias de ter de abortar a viagem. Seria
frustrante e era um grande temor. Há dias eu já vinha passando uma pomada
específica e vinha fazendo massagem, ainda tinha a câimbra na perna esquerda que
parecia querer voltar. Acho que o ritmo que eu vinha fazendo começava a pesar
sobre o meu corpo. Sabe a lei de Murphy? Então, quando tudo que parece ruim,
sempre poderá ficar pior.
Pra ajudar a piorar as
coisas, os elastômeros da suspensão dianteira cederam uns 08 centímetros, resumindo,
a frente cedeu e as mãos faziam mais força contra o guidão, depois dos 50 km as
mãos começavam a doer. Eu não achava uma bicicletaria para trocar esse item.
Não era tão comum uma suspensão dianteira, só algumas lojas mais completas
fazem essa troca dos chamados elastômeros. Só consegui trocar os pedais mesmo.
Durante o trajeto parei em um posto e sentei numa mesa grande externa e fiquei
bebendo um açaí com guaraná, tomei uns 50 desses no caminho, o Guará Viton,
muito refrescante. Ele gelado me refrescava muito e toda vez que parava e tinha
para vender eu comprava. Nesse local conheci o Maurício Prestes Szymanzuck, um
proprietário do restaurante que ficou interessado no motivo da minha viagem.
Ele gentilmente me ofereceu várias águas de coco e ainda disse que na volta eu
poderia almoçar de graça no seu restaurante. Agradeci imensamente pela atenção
e pelos presentes e segui viagem pela estrada. Também tirei foto com um
motorista que se disse ciclista em Itabuna. Acabei me esquecendo do seu nome.
Décimo
sexto dia de viagem – Nesse dia eu
precisava chegar a Eunapólis (170 km).
Sabia que seria um daqueles dias e só chegaria do final da tarde ou à noite. A
estrada a partir do estado da Bahia não tinha mais acostamento e em
determinados pontos o mato era da minha altura, eu precisa ficar olhando para o
retrovisor constantemente e era cansativo, mas necessário. Não queria mais tomar
um susto igual ao do dia anterior. Messe dia um ônibus me ultrapassou na meia pista
na contramão, ele fez com que o mato alto agitasse no meu lado e no decorrer da
sua ultrapassagem levei dezenas de chibatadas desse mato na cara, corpo, braço
direito e na bike. Segurei forte para não cair ou ficar descontrolado. Isso era
uma novidade, cheguei até a fazer piada do acontecido. Acho que fazemos piada
de quase tudo depois da viagem, tudo é motivo para intermináveis conversas,
principalmente com outros ciclistas e cicloturistas.
Chegando a
Eunápolis sempre sigo as placas de rodoviária, fórum e prefeitura, pois tudo
sempre costuma te levar para a região central e no centro temos os locais mais
em conta, como também outros serviços, como refeição, bancos e lojas de
produtos. Nesse caso segui a placa da rodoviária e como estava escuro segui
direto, sem parar para perguntar, tinha placas para a cidade de Porto Seguro, gostaria
de passar por essa Cidade, só que a minha meta era chegar rápido a Itabuna. Avistei
vários hotéis nessa vicinal e quando cheguei à rodoviária, me informaram que
deveria voltar para a BR e cruzar, seguindo sentido o Centro, ou seja, estava
no caminho errado e já era 20hs. Eu estava suado e cansado e resolvi arriscar
nos hotéis que havia cruzado, procurei um hotel bem simples, mas me custou R$
120,00, uma fortuna. Também era bem chique, levando em consideração as bibocas
que já havia ficado (risos). O problema era
o acesso a Porto Seguro, isso encarecia demais tudo na região. Fiz todo o
procedimento de costume, tirar as bolsas, tomar banho, lavar a roupa no
chuveiro e planejar o dia seguinte. Eu estava tão eufórico para chegar a
Itabuna, que lavava a mesma roupa e botava para secar. Na manhã seguinte mesmo que
secasse parcial vestia novamente. A camiseta amarela que parecia uma explosão de
fluorerecente (muitos risos) era excelente para que os motoristas desavisados me
avistassem. Então, adotei como segunda pele e já usava fazia uma semana.
Eu tinha
várias teorias nessa viagem, uma delas era que a camiseta e o capacete amarelo florescente,
o tênis que tem a parte traseira fluorescente, chamavam muito a atenção dos
motoristas. A minha preocupação era os caminhões, principalmente aqueles que não
eram do transporte de eucaliptos. Essas caras em sua maioria eram autônomos,
nada contra, mas o buraco ai é mais em baixo. Quando eu avistava o carinha no
meu retrovisor, rapidamente erguia a mão esquerda e gesticulava no sentido de
avisar que eu sabia que ele estava chegado. Também fazia sinais de positivo,
ok, e do “V” da vitória. No mesmo momento eles buzinavam e abriam para a
contramão, depois que eles passavam eu retribuía a gentileza, pois, “gentileza
gera gentileza”. Eu sempre recomendo que adotem essa prática. Quem não gosta de
gentileza? Até mesmo o mal intencionado gosta.
Décimo
sétimo dia de viagem – Nesse dia segui para São João do Paraíso (133 km) de distância. Logo na saída me deparei
com duas situações interessantes, falo que a bicicleta é um instrumento
mediador. Em um bar bem rústico e simples, conheci o Janderson, ele me recebeu
super bem, chamou a família para me ver, não quis cobrar a garrafa de água e ainda
pousou para uma das fotos que mais gostei. A outra era que acessei uma área de Assentamento
do MST chamado “Paulo Kageyama”, fica no município de Eunápolis, sentido
Itabuna. O pessoal foi receptivo e descansei um pouco por lá, molhei a cabeça e
fui conhecer o local, ainda ganhei água gelada. Uma pena que em 20 minutos essa
água gelada virava um chá (risos).
Em uma
parada de rotina para descanso e hidratação, precisava muito, pois o calor era
terrível. Fiquei no posto chamado Tucunaré II. Por lá percebi uns caras
estranhos e tive novamente aquela sensação ruim de insegurança. Existe um
problema recorrente que percebi durante as minhas paradas em postos e comércios
locais. Falo do alto cosumo de álcool por parte de motoristas, motociclistas,
ciclistas e transeuntes. O álcool faz com que as pessoas potencializem sentimentos
e desejos, entre eles o de violência. Graças a Deus não aconteceu nada. Quando cheguei à pequena cidade de São João do
Paraíso Mascote, me hospedei num pequeno hotel chamado “Marques”, também só
tinha dois hotéis na cidade. Um de cada lado da BR, mais nada. O mais curioso
fora tudo o que já tinha visto, era que eu não tinha sinal de celular na cidade,
a minha operadora é a vivo e estava morta (risos). Eu já estava acostumado a
ficar sem sinal entre as cidades, agora saber que a cidade só tinha uma
operadora é no mínimo curioso e inusitado. Imagina toda a estrutura de
comércio, serviços e as pessoas ficarem sem sinal da operadora “OI”. Seria um
“tchau para todos” (risos)
Décimo oitavo
e o último dia de viagem – Nesse dia acordei sai com o coração na boca, literalmente.
Tomei um café e parti prevendo a chegada a Itabuna (111 km) às 14hs. Eu estava bem condicionado, tranquilamente pedalaria
100 km sob o sol forte depois das 10hs. Ao passar pela cidade de Camacã parei
em frente a algumas casas geminadas, estas que tinham as grandes “barcaças” na
parte de trás e sobre o telhado. Esse era o nome dado para aqueles telhados que
correm, deixando uma espécie de laje exposta, local utilizado para secagem do
cacau. Fui recebido por moradores e conversamos muito sobre a cultura do cacau,
todos foram bem receptivos, ainda mais depois de saberem sobre o real motivo da
minha viagem.
Depois de mais alguns
quilômetros parei em um comércio de beira de estrada. Havia dezenas de fazendas
no estado com estruturas de extração e secagem de cacau, é claro que a maioria estava
abandonada. Numas dessas foi que descobri o maior jequitibá do Brasil,
visualizei-o de um mirante construído nesse comércio. Infelizmente o acesso ao
jequitibá seria demorado e não poderia ser de bicicleta naquele momento. Por
essa e outras razões resolvi deixar para outra oportunidade. Segundo o relato do proprietário, ele foi descoberto dentro em
uma área de produção de cacau e essa árvore tinha 48 metros de altura, por 4,35
metros de diâmetro. Um funcionário desse estabelecimento informou que não
tínhamos mais subidas, só descidas. Nem acreditei nessa informação. Quase pedi
para ele me beliscar (risos), só para ver se não estava sonhando. Só foi noticia
ruim até aqui, subidas, risco de assalto e a distância, sempre faltava mais do
que eu achava e isso me deixava ansioso.
Desde que
entrei no estado da Bahia, sempre me deparava com ambulantes no meio da pista
vendendo suvenires, sempre na altura das pequenas cidades. O achava um perigo. Outra
situação que chamava a atenção era só ter cruzado com três viaturas policiais e
não ter nenhum posto da PF pelo caminho. Na contrapartida das coisas ruins, em
uma das paradas para pegar água, isso no posto Trevo na cidade de Buerarema/BA
os frentistas ficaram eufóricos e emocionados ao saber da minha história.
Rapidamente chamaram o gerente, um comerciante local que estava por lá. Outro já
quis falar sobre um projeto com jovens carentes que ele promovia, rolou muita
conversa e bons fluídos. Já com as baterias carregadas, parti para um dos
momentos mais importantes da minha vida, se não o maior.
A essa
altura eu me sentia meio anestesiado. Acho que entrei em stand-by (risos). Era
rir para não chorar. Na altura do Km 517, uns 18 km de distância de Itabuna, um
veiculo se aproximou e o motorista gesticulou de forma a querer conversar. Era
o Lucaseri Ribeiro, um ciclista idealizador de um pedal na Cidade de Itabuna. Logo
mais a frete estava o Gilvan Francisco, Ana Salles, Luis Pedreira, Théssia Lira
e muito outros integrantes do grupo. O grupo de pedal é chamado “Pedal Bom de
Itauna”. Eles gentilmente me receberam na estrada e me escoltaram até o
endereço da casa da minha mãe, no bairro Parque Verde. Pedalamos por boa parte
da cidade e a cada quarteirão meu coração disparava. Eu não consegui prever a
minha reação. Eu não sabia o que era ter uma figura materna, é difícil de
explicar, só quem não tem saberia dizer. Nem tive madrasta. Eu estava tenso.
Já no Bairro
Parque Verde, subimos uma rua sinuosa, viramos a direita, depois suavemente
para a esquerda, descemos uma ladeira de asfalto ruim e depois de uma curva
fechada para a esquerda paramos. Imagina 10 ciclistas e dois carros de apoio,
Aquele monte de gente com roupas coloridas. Um calor de mais de 32 graus. Eu
estava suando as bicas e a minha roupa de vaga lume já estava meio encardida.
Não conseguia lavar direito a roupa em banheiros, ainda mais com sabonete. Durante
o meu trajeto pelas estradas, a molecada me olhava nos acostamentos e o olhar
ia passando até chegar ao tênis. Como essa geração adora tênis chamativos. No
meu caso eu usava para reforçar a segurança na estrada.
O grupo de
ciclistas estava parado e conversando sobre a rua estar certa ou errada. Não localizarmos
o número que havia sido informado. Naquele momento, olhei para trás, lá no
horizonte. Em uma curva onde já havíamos passado e avistei uma senhora, de pé
ao lado de um poste de energia. Ela estava estática e nos observava, sem reação.
Nunca tinha visto uma foto atual da minha mãe. Não sabia como era a sua
aparência, o seu cabelo e o seu rosto. Aquela foto antiga em preto e branco, daquela
menina com aspectos indígenas, um olhar perdido do ar, com cabelos negros e
cumpridos, não era parâmetro para um reconhecimento imediato. Ainda mais
naquela situação, com toda a pressão sobre mim. Havia muita tensão no ar.
Todos os
sentimentos vieram à tona, foram despertados ao saber que iria encontrá-la. Nesse
exato momento afloravam de forma avassaladora. Não acreditava que coseguiria
reconhecer a sua fisionomia. Apertei os olhos para tentar visualizar aquela
pessoa ao longe e nada de conseguir ver o seu rosto. Retirei os óculos escuros
e forcei o olhar. Foquei no visual daquela mulher. Ela estava há pelo menos uns
200 metros de nós. O sol estava a pino e também não ajudava. O cansaço e a
tensão daquele momento me impediam de raciocinar. Parecia à noite em que
cheguei próximo à casa do meu amigo Ian na Barra do Jucú, Vila Velha/ES. Não
tinha mais condição de um raciocínio lógico, pois o tempo parecia ter parado ao
meu lado.
Todos os
ciclistas pararam e olharam para mim. Eu estava imóvel e sem reação. Depois todos
os ciclistas olharam para ela. Ela que continuava no mesmo lugar, imóvel. Foi
ai que a sua mão direita se levantou sentido a nós e com um pequeno gesto de
aceno. Todos voltaram a olhar para mim. Naquele momento a minha memória voltou
para Dezembro de 2017, para todas as palavras das nossas trocas de mensagens,
da conversa no decorrer da viagem. Lembrei-me de todas as suas palavras de
carinho e de preocupação. Não conseguia associar as palavras a sua voz, como
sempre fazemos mentalmente. Nunca havia ouvido a sua voz. Ela gesticulou novamente
com a mão.
Eu havia
escrito um texto par ler no momento do nosso encontro, mas nesse exato momento
a razão fugiu e a emoção tomou conta de mim. Nem me lembrei daquelas palavras
que escrevi, que modifiquei, que corrigi e li e reli, por muitos meses, antes
do nosso encontro.
Que DEUS abençoe a todos
nós
Todas aquelas
grandes pedras das barreiras que estavam entre nós nesses 47 anos, já haviam
caído pelo caminho. Caindo uma a uma. Cada palavra de carinho derrubava uma
pedra. E a luz do amor transpassava entre nós. Iluminava o meu caminho ao seu
encontro. Eu estava a metros de distância da minha mãe. Pedalei lentamente até ao
seu encontro. Eu ficava olhando o seu rosto, que transpirava um sorriso contido
e apreensivo. Nem imagino qual seria a minha fisionomia naquele momento. Ao me
aproximar, deixei a bicicleta cair no chão e segui em sua direção. Apesar de
toda a tensão e a expectativa sobre esse encontro, eu ainda estava preocupado em
abraçá-la. Pois estava todo sujo e transpirando e não queria grudar nela como
um papel pega mosca (risos). Olhei fixamente
e sem trocar nenhuma palavra nos abraçamos por algum tempo. A minha primeira palavra
foi, “oi mãe”. Foi à primeira vez que dirigi uma palavra para ela. Nunca havia
falado por telefone. A primeira palavra dela foi “o amor não mede esforços e
distância”. Foi a primeira vez que ouvi a sua voz. Ela me chamou de filho e
perguntou se eu estava bem. Naquele momento eu só pensava no que iria falar. Tinha
tantas duvidas e perguntas. Não sabia o que perguntar nesse primeiro momento e
nem o que fazer. Fiquei sem reação.
Agradecemos a
todos os ciclistas maravilhosos. Tirei uma foto com o grupo. A minha mãe me
convidou para entrar e eles seguiram pedalando. Obrigado mais uma vez a turma
Pedal Bom de Itabuna. Vocês são incríveis e maravilhosos! Entramos e sentei
junto a minha mãe e a tia Lulu, depois veio a minha tia mais velha, a tia Mariazinha.
Um anjo do bem, seguindo o que descobriria mais tarde. Ela ajudou e ajuda muita gente. As tias me
beijavam e diziam graças a Deus que nos conhecemos em vida. A minha mãe era uma
mulher extremamente reservada. Ela não tirava fotos e não gosta de aparecer. Respeito
a sua opinião e pedi para os ciclistas não fotografarem o nosso encontro.
Depois fiquei sabendo que o ex-marido da minha mãe havia falecido no mês de
Dezembro de 2017. Ela estava triste com o falecimento e em razão o meu meio
irmão, Luiz Vladimir, não pode ter vindo da Europa para o velório e enterro.
Todos estavam tristes com isso. Ela não queria nenhuma exposição em respeito a
dor do seu filho.
Todos nós
conversamos muito e a minha mãe me contou a sua história de vida, a razão da
nossa separação, me contou alguns segredos íntimos. Acredito que queria me
provar que estava falando a verdade, que lutou com todas as forças para poder
ficar ao lado dos três filhos, mas como ela mesma disse. Uma pobre mulher do
interior na Bahia não poderia competir com uma família rica da cidade grande. A
minha mãe disse que nesse tempo a justiça era para os homens. A mulher era
submissa e não tinha direitos. Ficamos por vários dias conversando e disse para
ela que o meu pai tinha sido um pai cuidadoso, que ele nunca tinha falado mal
dela e que a minha opinião sobre ele não poderia mudar, até por que ele não
estava mais vivo e que agora era com Deus que ele revolveria tudo.
Durante minha
permanência em Itabuna conheci três tias, dezenas de primos, a Telma, Reinan,
Telmo, Isadora, prinos de primeiro, segundo e terceiro grau, vizinhos e amigos
diversos. Saímos de carro para fazer uma via sacra na casa dos parentes e todos
ficavam emocionados com o nosso encontro. Quem não conhecia a nossa história ficava
incrédulo a com a nossa separação, também com a forma em que fui para Itabuna.
A minha mãe disse que a minha avó “nona”, chorava muito e dizia que achava que
nunca conseguiria conhecer os netos. Ela dizia que sabia que iria morrer sem nos
conhecer e infelizmente foi o que aconteceu. Ela faleceu no ano de 2000. Uma
das histórias que mais me encantou foi saber que a minha tataravó era uma índia
Tupi Guarani, que vivia na selva no estado de Pernambuco. Ela falou que a minha
tataravó foi perseguida e capturada por cavaleiros que a cercaram utilizando uma
matilha de cães, todos eles eram liderados pelo Barão do Rio Branco. Esse homem
havia ficado apaixonado pela beleza da minha tataravó, uma linda índia de olhos
verdes. Eles se casaram e tiveram filhos. Fiquei sabendo também que a minha
bisavó alforriou todos os escravos na fazenda Mata Verde, que fica na região do
Recife. Fiquei sabendo que alguns dos escravos alforriados ainda eram vivos a
pouco tempo, o que me emocionou muito. Queria muito ter conhecido eles.
Pretendo procurar filhos desses escravos futuramente. Esse é a minha próxima
viagem. Pretendo conhecer essa parte da minha história de vida.
Uma semana
depois da minha chegada eu precisava voltar para São Paulo, precisava voltar ao
trabalho. Tinha muitos compromissos na agenda. O meu primo me levou para a
rodoviária e na saída da casa todos ficaram acenando e mandando beijos. Despedi
e prometi que voltaria em Maio para ficar mais uma semana. Desde então mantenho
contato diário coma minha mãe e tias.
Também tive
a grata surpresa em conversar via aplicativo com o meu irmão caçula. Depois nos
falamos por telefone. Ele está com 37anos, é casado e mora e trabalha em
Luxemburgo. O Luiz Vladimir é um empresário que junto a sua esposa mantém um
restaurante de comida brasileira na cidade de Letzeburg, na divida a Alemanha
com Luxembourg.
A cidade de Letzeburg,
em Luxembourg é o meu próximo destino em 2019. Pretendo sair de bicicleta de
Roma na Itália, passar pela Costa Amalfitana, Toscana, Nápoles, atravessar a
Suíça, seguir pela França até Luxembourg, depois de conhecer o meu irmão, continuo
a viagem até a capital da Alemanha, voltando para p Brasil.
"A Felicidade só é completa
quando compartilhada" Por Christopher McCandless. Ninguém é
feliz sozinho.