segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Cicloviagem as Origens - Filho pedala 2.200 km para conhecer a mãe biológica

A Cicloviagem mais importante da minha vida

 Carta a uma mãe desprotegida

 Tu que me guardaste em teu ventre aquecido

Do mundo sempre bem protegido

Tu que me trouxeste a vida

Em um cantinho dentro de ti

O que mais posso querer

Quando já crescido vim aqui para te conhecer

 

Infelizmente não pudemos ficar juntos

Todos vitimas desse passado indevido

Mas nunca é tarde para as coisas boas da vida

Enquanto ainda for tempo de vida

 

Essa essência voltará a celebrar

O que a vida nos leva a buscar

Deixando às magoas pra trás

Mesmo que perante ao vazio

E com todo esse ardil

Se o coração nos permitir

Chegou o momento de sentir

  E o tempo faz tudo passar

E a paz voltará a reinar

 

 O que mais posso querer

Do que rogar com todas as forças

Que Deus abençoe todas as mães

Mesmo quando não querendo

Por quase toda uma vida não podendo

A tua lembrança que agora me faz

De dentro pra fora te amar

 

Você nunca mais estará sozinha

Pois esse desejo é vivo

E o meu sangue é ativo

Mãezinha querida

Eu te perdoo sem nenhuma ferida

 

Esses são os votos para uma pessoa muito querida

 

 Maria encontra com seu Filho Vanderlei

 


Preparação
Máquina pronta
Vislumbrando Litoral Norte SP
Acampando em Boiçucanga/SP

Placas interessantes pelo caminho
Furou pneu Posto Timbocão Br 101 RJ
Fiapos e micro furos devido aos arrames pneus acostamento BR
centenas de cruzes pelas estradas
Saquarema RJ
Pousada Caraguatatuba/SP
Corte de Cabelo grais em ES
Barca para Niterói/RJ
Nem sei aonde estou
Dormindo Posto Timbocão RJ
Primeiro pneu furado RJ
Usina Nuclear Angra dos Reis/RJ
Parati RJ
Pelo caminho
Alguém me fotografou no caminho...rs

Novo furo no pneu

Saquarema RJ
Reencontro com amigo Ian em Vila Velha ES(depois de 22 anos)
Vista da casa dos amigos que me hospedaram em Arraial do Cabo/RJ
Amigo artista plástico Marcelo Beja e sua esposa(não conhecia pessoalmente) 
Família abençoada por Deus

Cemitério de Saquarema/RJ
Bicicletária que me recebeu de braços abertos em Campos de Goytracazes/RJ
A casa do amigo deWarmShowers em Campos de Goytacazes, Marcel, que agora acredito que deva morar na região metropolitana do RJ.

Unica placa de aviso de respeito a ciclista na estrada
Uma senhora cobra passeando por Marataízes/ES
Fazendo um selfie num calor infernal
Lindas paisagens pela caminho


Mutos caminhos fora de estrada
Queimadas



Nenhuma passagem de animais silvestres, nem por cima e nem por subterrâneo..



Em algum lugar no ES
Marataízes/ES
ES, um pouco antes de avistar a cobra
Parando para pedir água
ônibus travessia ponte região central Vitória/ES
Relíquias da era do Cacau BA

Um dos maiores Jequitibás no caminho pelo Sul da Bahia..

Povo que persiste em trabalhar na cultura do Cacau no sul da Bahia
Esse cara na beira da estrada me deu a unica garrafa de água que ele tinha no isopor..inacreditável..
Os meus maiores fãs eram funcionários de postos de gasolina...
O que me emprisionava era o seciamento do direito de ir e vir. As pontes não tem passagem para pedestres, nem em pontos onde temos cidades constituídas nas margens...surreal..
Pose para a foto de partida do albergue..



Ponte do Rio Doce, que está amargo pela Samarco de MG


Esse Jerome fez pose de pintura para essa belíssima foto do seu bar de madeira..
Rapaz, o sol me castigava na viagem...

Meus amigos do assentamento MST em Eunápolis/BA

Belíssima recepção dos amigos de Itabuna/BA

Chegada ao cafofo da mamis...
Almoçando com a família nova...
Passeando pela cidade para conhecer o resto da minha belíssima família..
Não poderia deixar de comer Jaca, não é!!
Conhecendo parte da família pela cidade.
Todas as tias e minha mãe.
Olha a minha mãe, ão deixando de comentar o que meu amigo Joãozinho me falou. Mano, olha a sua camisa e olha por qual estrada você pedalou...rs
Voltando de busão para SP
Morreu 50 pilas pela bike...rs

Encontro com o multi homem brasileiro, Ciclonauta Urbano, o melhor é que contei minhas intensões para algumas pessoas, entre elas essa figura que me achou por acaso do destino..



Fiz um testo com alguns relatos da viagem, segue na integra e vou corrigindo o português aos poucos...fui....

Desde os seis meses de vida nunca houve uma figura materna na minha vida. Meu pai sempre criou os três filhos sem companheira ou madrasta, pelo menos nunca apareceu com uma namorada, nem mesmo fiquei sabendo de alguma aventura ou ouvimos comentários. Já faz 11 anos desde o seu falecimento. Ele sempre falou pouco sobre a minha mãe. Eu sempre soube da sua existência dela, mas acredito que era “bloqueado” mentalmente em relação a qualquer sentimento, seja de saudade, amor, raiva ou até mesmo curiosidade. Também eu tinha seis meses e nunca a vi ou sequer conversamos nem fotos ou contatos durante esses 47 anos de separação. Eu não sabia como era a sua voz ou a sua aparência atual. Sabe aquela coisa de não existir para você? Até parece que nunca existiu uma figura materna na minha existência biológica. Acho que devia ser esse o meu sentimento, isso até Abril de 2016.

Por toda a vida sempre me senti um homem feliz e completo. Tenho os meus demônios, quem não tem! Mas sou uma pessoa normal. “Tenho alguns lemas como principio de vida, “não quero nada que não seja meu” e” não quero atrasar o lado de ninguém”. Tenho muitos outros além desses. O meu finado pai apesar de ter sido rígido, nunca nos deixou faltar nada, A criação era dura, mas o ser humano tem essa coisa de adaptação, sabe. Também era o que tínhamos, não é! Eu tinha irmãos uma casa e um pai. E quem não tem nada disso!

Desde que conheci a minha atual esposa, ela às vezes me falava sobre eu ter algo “mal resolvido”, existencialmente, entende! Em 2016 ela me disse uma coisa que mexeu comigo “você nunca tentou imaginar o que passava na cabeça da sua mãe”. Essa frase foi um tiro de misericórdia na minha consciência. Dessa data até o dia da minha partida ao seu encontro (mãe), a minha cabeça não parava de pensar em todo o seu sofrimento e no que poderia ter acontecido para ela nos abandonar. Era uma grande duvida. Até porque o meu pai nunca falou mal da minha mãe e também sobre o que havia acontecido. O máximo que disse é que em 1971 ela foi visitar a sua mãe, a minha finada avó e ás vezes ela queria trazer algum familiar de Itabuna para São Paulo, para ficar um pouco com eles. Imagina uma garota de 17 anos longe dos seus nove irmãos, avós e dos seus pais. Não deveria ser fácil. 

Não me lembro em que ano descobri a cidade em que ela mora atualmente (Itabuna/BA). Nesse meio tempo, consegui um telefone celular e fiquei tentando um contato. Em Dezembro já fazia oito meses que ela havia respondido o meu contato. Podemos dizer que estávamos nos preparando psicologicamente para esse encontro. Ela a principio estava muito desconfiada, resistente e temerosa, foi o que me pareceu e as palavras dela remetiam a isso. Para mim até parecia normal. Imagina uma mãe de uma hora para outra receber o contato do seu filho caçula, esse depois de 46 anos. Eu imaginava o coração dela. Ela não falava onde morava e não estendia muito as nossas conversas nas mensagens de texto. Ela era meio monossilábica. 

Com certeza devia pensar que eu queria alguma coisa, bens, dinheiro, cobrá-la sobre ter me abandonado ou não ter lutado para ficar comigo. Eu aos 47 anos de idade não queria questionar, cobrar ou acusar por nada do passado. Podemos dizer que a perdoo por tudo, só queria mesmo saber mais sobre a sua vida e a sua família, ou, sobre a nossa família. Não conhecia ninguém desse lado da família. Eu tenho a impressão, isso após as conversas via aplicativo com ela, que ela tinha medo de alguma cobrança. O que não era a minha intenção. Eu não tenho nenhum remorso no coração, pelo contrário, sou feliz e realizado em muitas coisas, só queria mesmo é saber sobre a sua vida, se não a procuraria, ficaria quietinho no meu canto. Eu queria mesmo era fechar de vez esse ciclo na minha vida! 

Hoje sou formado, casado pela segunda vez e tenho um filho do primeiro casamento. Sou micro empresário e além de trabalhar no segmento do ciclismo, ainda sou um amante da bicicleta. Um dos meus passatempos é viajar de bicicleta, fazer o chamado “cicloturismo”. Já cruzei alguns desertos, o Salar de Uyuni, Atacama, Andes e  países inteiros, sempre utilizando a bicicleta como meio de transporte. 

No primeiro contato com a minha mãe ela foi muito rude comigo, ela estava muito resistente, apesar de eu deixar bem claro as minhas intenções (ver print zap). Não sabia o que fazer para convencê-la a dizer o seu endereço, mesmo assim parti com a minha bicicleta em direção a Itabuna. Eu confesso que a minha esposa também não sabia da minha intenção em viajar de bicicleta de São Paulo até a Bahia. Viajar de bicicleta é ou era uma coisa muito louca na cabeça das pessoas a minha volta. Eu tinha receio de falar com a minha esposa e ela brigar comigo ou querer me proibir de fazer a viagem. Resolvi me dar umas férias e adiar todos os meus compromissos para fevereiro 2018 e seguir na estrada.

Acredito que sou um viajante experiente, tenho todos os acessórios para cicloturismo, eu até já tinha adquirido umas bolsas de viagem modelo “bike packing”. São bolsas para o quadro, selim e guidão, só que no guidão coloquei logo duas. Elas são compactas e são indicadas para viagens curtas ou que tenha alguma estrutura de apoio, do tipo hotel, refeição, etc. Não são indicadas para locais onde seria necessário acampamento, onde o viajante teria de cozinhar, também tem a questão da temperatura, pois em ambientes de baixa temperatura é necessário muita roupa e isso faz volume nas bagagens. Não é via de regra, sabe.

Eu já vinha separando tudo o que realmente eu iria utilizar. No cicloturismo sempre levamos itens que não usamos, acabamos dispensando pelo caminho doando ou enviando de volta pelo correio. Eu tinha que ficar leve, mas precisava ter mantimentos para pelo menos dois dias. Outra questão seria utilizar roupas extremamente chamativas, tênis, camiseta e capacete, fora as luzes especiais. Era um dilema, pois não queria chamar a atenção de meliantes, mas precisava chamar a atenção dos motoristas. Eu iria seguir pela BR 101, a temida estrada da morte. Segundo a minha pesquisa no Google seria 1800 km, isso sem utilizar rodovias estaduais ou circular pelos locais. Sabia também que em alguns trechos não haveria acostamento, um terror para ciclistas. Você imagina pedalar junto a carros em alta velocidade e caminhões, ficar exposto ao temido vácuo dos eixos traseiros dos caminhões. Quando o caminhão passa tirando uma fina do seu lado é perigoso. Já tivemos muitas mortes devido ao ciclista estar do lado da carreta.

Relato diário da viagem de 05 de Janeiro de 2018 e 26 de Janeiro de 2018.

Primeiro dia de viagem - Montei a bicicleta no dia anterior e na madrugada do dia 05/01/2018, mais precisamente às 04hs sai do meu apto no centro de São Paulo, para a Cicloviagem mais importante da minha vida”, a chamada “Cicloviagem as Origens. Segui pela Avenida Celso Garcia até a ponte dos nordestinos (Zona Leste), depois pelo Parque Ecológico do Tietê, Rodovia Ayrton Senna, em direção a Mogi das Cruzes, Biritiba-Ussu, Bertioga, Jóquei até Boissucanga, litoral norte de São Paulo. Depois não teria mais forças para subir a serra até maresias. Ela tem 3.5 km de subida e uns 1.500 m de altimetria. Nesse dia foram difíceis 170 km, das 4hs até às 17hs e eu estava muito cansado. Quando passei por Boracéia tive fortes câimbras na perna esquerda. Até achei que não conseguiria mais continuar nesse dia. Depois de uma hora parado em um canteiro e muita massagem com gelol consegui continuar a viagem. Nesse dia fiquei num camping e até fiz um churrasco com alguns novos amigos. Montei a minha rede militar com mosqueteiro e dormi tranquilamente.

Segundo dia de viagem - No dia seguinte segui pela difícil serra entre Boiçucanga e Maresias, penei muito, mais passei invicto e segui até Caraguatatuba. Lá procurei um hostel, mas todos estavam lotados. Não achei um camping e nem consegui apoio da policia/bombeiro para montar a minha rede. O meu objetivo era fazer a viagem em até 20 dias e por isso levei uma rede militar com mosquiteiro. Ela é muito mais prática de manusear e fica confortável. A barraca precisa de isolante térmico, um colchão inflável e tudo isso faz volume e leva tempo para quem está afim de agilidade.  

Consegui ficar hospedado em uma pousada e lá fiz uma refeição digna num boteco, pra variar. Adoro um PF (prato feito). Durante a noite começou a chover e eu sabia sobre a fama de Ubatuba, a chamada “Ubachuva” e que os próximos dias poderiam ser chuvosos e de fato foi. Eu pretendia rever um primo que não via há 35 anos, o Eder Borges, uma figura divertida nas suas postagens facebook. Quando estou acampado, hostel ou em pousadas, sempre no final do dia deixo preparado toda à bagagem antes de dormir, só deixo para fora à roupa da pedalada e os itens de higiene pessoal e proteção. Assim eu tenho muita agilidade, costumo sair antes do dia amanhecer. As vantagens são ter menos pessoas e carros nas ruas, o frescor da manhã e sempre acaba rendendo mais, mesmo se o trajeto for difícil.

Terceiro dia de viagem - No dia seguinte as chuvas seguiram por todo o caminho e acabei sem querer passando da entrada para seguir para a casa desse meu primo. Não pretendia pernoitar por lá em razão da curta distância, mas só fui perceber que havia passado quando avistei a placa da divisa do estado do RJ. Percorri 127 km na BR 101 com fortes chuvas, neblina e subidas intermináveis. Eu já sabia e estava preparado, acho que estava (risos). Sempre procuro conversar com os locais (pessoas), para saber sobre o que vem pela frente, terreno, cidades, periculosidade, etc. Sempre procuro abordar as pessoas aparentemente confiáveis, de preferência pedestres e ciclistas, pois eles podem me passar uma situação mais real. O motorista tem uma percepção muito individual e baseada na visão e velocidade do carro, o que é meio incompatível com a da bicicleta, assim evito falsas expectativas. Não é via de regra pois todos sempre ajudam no final das contas.

Depois de décadas eu visitava Parati, a última vez foi justamente com o meu pai. Como nessa viagem a programação iria variar muito, eu acreditava que poderia pernoitar em Parati, mas não tinha plena certeza, devido à possibilidade de ficar na casa do meu primo, era essa a minha intenção, mas não aconteceu. Cheguei depois de 127 km pedalados e estava cansado devido  a tudo e principalmente a tensão na troca de acostamento, isso porque nas subidas abria a segunda pista de rolamento e eu tinha de ir para o acostamento na contramão, era muito perigoso.

Cheguei a Parati e procurei rapidamente um hostel, se deixasse para muito tarde poderia não achar nenhuma cama vazia. Os contatos via Couchsurfing e Warmshowers não retornaram a tempo. Acontece muito quando se é homem (risos). Fiquei num hostel na praia pontal, cheia de conchinhas. Estacionei a minha bicicleta em uma área interna ao lado da recepção. A bicicleta tem essas vantagens, acessibilidade total. Os cicloturistas sempre são preocupados com pousadas e hotéis, pois algumas não dão aceso a bicicleta, mas no hostel é tudo diferente, são receptivos com viajantes de bicicleta e alguns até não cobram a diária. Nesse hostel havia uma legião de gringos. Adoro esses ambientes, pois tudo é compartilhado e não temos o individualismo dos hotéis comuns. As pessoas se cumprimentam e interagem no hostel, pelo menos na grande maioria deles. Abençoado hostel! Nesse hostel havia uma turma de mulheres alemãs e algumas ficaram me olhando. Não é sempre que se vê um cicloviajante chegando debaixo de chuva, parecendo um madmax. Rapidamente me ajeitei, arrumei as bolsas e tomei banho. O cicloturista tem todo um protocolo, são muitos itens que levamos para a viagem e dá trabalho. Fui passear pela cidade a procura de um PF (prato feito). A estratégia é sempre perguntar para um local, nunca falha e me indicaram um local bom e barato no centro velho.

Depois do jantar fui passear pela cidade, tinha centenas de barcos coloridos e um show que iria começar mais tarde, mas começou a chover forte e a chuva não parava, Fui me abrigando sob as marquises, até ficar ilhado em um bar cheio de argentinos, alguns falavam muito alto, mas não teve jeito. Tive que esperar por lá mesmo. O melhor mesmo nesse momento seria pedir uma cerveja e sentar para esperar a chuva passar. Na mesa ao lado tinha um rapaz que olhava para os argentinos com cara de insatisfação, isso devido a eles conversarem em voz alta. Ele chegou a me perguntar se eu era argentino, quando disse que era de paulistano, ele começou a criticar os argentinos e depois disparou em falar sobre a sua vida, falou da sua ex-mulher, da separação e quando o seu tom de voz me pareceu meio agressivo e até suspeito, digo, parecia um cara que arrumaria encrenca ou quem sabe estava querendo tirar alguma vantagem de turistas. Um cara bem apresentável, simpático, depois de uma conversa te convidar para conhecer a cidade e ir para uma noitada, já viu né, infelizmente o tom de voz agressivo  acendeu a luz amarela. Eu nem cheguei a falar que estava viajando de bicicleta. Tratei de dizer que estava cansado, agradeci e me despedi e segui para o hostel debaixo de chuva.

Quarto dia de viagem - No dia seguinte debaixo de muita chuva segui pela estrada sentido Angra dos Reis, foram 100 km. Não conhecia a cidade e já sabia que precisaria pegar uma balsa/barco para conhecer a parte mais bonita, mas isso não estava na minha programação. Como sempre seguia conversando com muito locais, me avisaram que ficaria decepcionado com Agra, e de fato fiquei. A cidade no continente era em grande parte situada em morros, meio caótica, as praias no centro recebiam rios de esgoto fétidos. Os únicos usuários das praias eram os urubus a espera de carniça. Fiquei impressionado com a predominância do automóvel no layout urbano. O pedestre dava voltas para conseguir transitar, ficava muito tempo esperando nas fases semafóricas, fora os demais problemas para conseguir se locomover. Fui obrigado a procurar o Shopping para jantar e a entrada era pelo estacionamento, o que me pareceu estranho em comparação aos da cidade de São Paulo. Você seguia espremido e oprimido em meio aos carros e sem uma faixa de pedestres. Em Angra até as viaturas da policia estacionavam sobre as calçadas. O pedestre tinha de transitar pela rua. Acabei fazendo uma refeição no shopping e começou a chover forte, não tive como voltar para a pousada, não queria molhar o único tênis que tinha. Tive que comprar um guarda chuva, tirar o tênis e seguir descalço, isso depois esperar por três horas a chuva passar, o que não aconteceu. O guarda chuva ficou de presente para o atendente da pousada.

Nas viagens de bicicleta sempre temos situações inusitadas. Perdemos ou esquecemos muitas coisas, erramos o caminho e damos uma voltar grande ou temos de voltar, levamos tombos, quase somos atropelados por pássaros, os cachorros adoram correr atrás de ciclistas viajantes, Acho que eles têm inveja da gente (risos). Nessa viagem um urubu quase me atropelou na estrada, se não abaixo as cabeças daria uma trombada, imagina o mico (risos). Nesse trajeto encontrei um ribeirinho descalço e pedalando pela estrada, o cara tava todo sujo e pedalava numa bicicleta barra forte bem velha. Ela me parecia ser marisqueiro e me acompanhou por vários km, fomos conversando e ele não hesitava em seguir comigo nas subidas. Fiquei impressionado com o seu condicionamento. Ele queria me vender alguns caranguejos que havia pescado. Agradeci e recusei. O que faria com dezenas de caranguejos vivos (risos). Outra situação inusitada nessa viagem foi que um mecânico numa bicicletária, parei para trocar as partilhas do freio a disco e ele me disse que a bicicleta deveria pernoitar, sendo retirada no dia seguinte. Eu disse para ele “meu amigo, olha a minha situação”. Eu sou viajante e uma pastilha de freio a disco se troca em 10 minutos. Não troquei.

A situação mais hilária foi que nesse trecho chovia muito e eu só tinha quatro cuecas brancas estilo sunga, três foram lavadas no chuveiro e como estava muito úmido, fiz um varal do banco da bicicleta até a antena traseira com as bandeirinhas. Pendurei as três cuecas para secar ao vento durante a minha pedalada. No decorrer da viagem olhei para trás e não vi nenhuma das três. Voltei por um quilometro e não consegui achá-las, ou seja, elas voaram do varal no acostamento. Tive que improvisar nesse período, entende (risos). Também perdi a capa de chuva e a lona plástica que cobria a rede de sereno e chuvas, perdi a minha bandana, uma das luvas e todos os parafusos do suporte da câmera no guidão. Sem sacanagem, acontece com todo mundo.

Quinto dia de viagem (dois dias no local) - No dia seguinte sabia que precisava acelerar 126 km até Recreio, mais precisamente chegar à praia da macumba, cidade do Rio e Janeiro. Sabia que passaria por um trecho urbano meio complicado em Santa Cruz. Um guarda da defesa civil me recebeu com honrarias de estado (risos), uma moto me escoltou por um trecho, eles queriam que eu tomasse banho na central, descansasse um pouco. Ficavam me dizendo que corria o risco de assalto ou atropelamento. Infelizmente por onde pedalamos ouvimos as seguintes frases, “você pode ser roubado” e “você pode ser atropelado”. São frases comuns aqui no Brasil, mas segui com fé em Deus e a costumeira cautela. Até houve situações de risco com lotações em alta velocidade, uma segunda tentativa ou uma suposta situação que me pareceu uma tentativa de assalto. A primeira foi em Caraguatatuba. Sabe quando a movimentação de pessoas estranhas te olhando e ai você sai da ciclovia e cai na pista a todo vapor. Pois é, foram duas situações assim.

Sexto dia de viagem - No dia seguinte segui por todas as praias da orla do Rio de Janeiro, foram mais de 50 km de contrastes entre áreas ricas e pobres, Segui direto para a barca da CCR, pedalando depois por Niterói, pela estrada de Itaipuaçu, numa baita serra terrível, que dava acesso a Itaborai. Meu destino final era Saquarema, a famosa terra do surf. Durante a travessia na barca o atendente e um ciclista regional me aconselharam a evitar São Gonçalo, isso devido a minha condição e vestuário de alienígena (risos). Diziam que eu seria assaltado nesse trecho. Assim tive que enfrentar a serra de Itaipu, mas uma viagem de bicicleta sempre tem esses desafios. Eu não imaginava que a RJ-106 teria inúmeros pontos de serra sem acostamento. Seria um dos trajetos mais perigosos durante a minha viagem. Por Palmital, na RJ-128, segui tranquilamente para Saquarema.

Muitas pessoas locais me perguntavam se a minha viagem de bicicleta era promessa, romaria, delicadamente me classificavam de louco. Já estou acostumado à cultura do carro de alguns brasileiros e quanto ao espanto quando falava que estava viajando de bicicleta. Inclusive sou o único em toda a minha família a andar de bicicleta. Um verdadeiro ET (risos). Infelizmente a nossa cultura ainda é assim, mas está mudando. Nas minhas paradas para pegar água nos postos, sempre era bem atendido pelos frentistas. Uma vantagem de pedalar pelas estradas é que quase todos os postos tem água gelada e os frentistas são receptivos e curiosos. Eles riam quando você entrava de bicicleta, parecendo um personagem do filme MadMax (risos). Quando a pessoa insistia muito em saber mais sobre a minha viagem, eu abria o jogo sobre o real motivo.  Eram reações diversas, gente incrédula, arrepiada, totalmente muda, olhos marejados, euforia, criticas, etc... Foi assim que resolvi ir gradualmente abrindo nas postagens no facebook e instagram. Essas reações me davam força para continuar. Parece bobagem, mas só quem esta numa empreitada dessas para saber que realmente é um apoio, uma palavra de carinho da pessoa te ajuda a enfrentar todo o sofrimento desse tipo viagem a solidariedade é um combustível para prosseguirmos, enfrentarmos as dificuldades. Viaja de bicicleta trás um misto de sentimentos.

Agora imaginem quais eram as minhas expectativas sobre o encontro com a minha mãe. Entre nós existia uma muralha da China. Eram 47 anos de construção desse muro e ele que estava sendo demolido a cada dia de viagem. Os meus sentimentos eram de abandono, receio quanto à indiferença, agressividade, insensibilidade e muitos outros sentimentos, podemos dizer até de uma indiferença mutua entre nós. Eu não imaginava o que iria conhecer dezenas de parentes. Não era só a minha mãe, tinha tias, tios, primos de primeiro, segundo e terceiro grau, vizinhos, amigos e curiosos. Acredito que a bicicleta foi à principal ferramenta para o sucesso do nosso encontro. O universo sempre conspira, pode acreditar. Eu e os meus demônios, todos temos alguns, sem hipocrisia. Demônios que podem estar em tudo o que se carrega durante a vida, tudo que se viveu, como se viveu, com quem se viveu ou vive, dentro do seu entendimento de mundo.

A BICICLETA, sem duvida nenhuma nesse caso, foi o INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO. Sim, todo o tempo que levei para pedalar de São Paulo até a cidade de Itabuna, falo em 2.200 km em 18 dias, sendo 15 dias efetivamente pedalados. Uma média de 150 km por dia. Esse tempo de viagem fez com que eu e a minha mãe conversássemos muito via mensagem. Ela criou uma conta para poder falar comigo. Ela é uma senhora de 72 anos e acredito que não liga muito para essa coisa de tecnologia. Toda a sua preocupação e incredulidade sobre eu ter optado em viajar de bicicleta fez com que me acionasse frequentemente. Ela não acreditou quando ficou sabendo, bem aos 48 do segundo tempo que eu iria de bicicleta ao seu encontro. Essa forma de viajar fez com que a todo o momento ela me acionasse para saber se eu estava bem, se havia almoçado ou jantado, onde eu iria dormir. Sentia essa sua preocupação nas mensagens. Todas as palavras eram como um manto de carinho e amor sobre o meu sofrimento. Esse carinho até então nunca eu havia sentido ou recebido. Tudo isso me fazia desmoronar em lágrimas em alguns momentos durante a viagem, inclusive durante a pedalada, a emoção batia forte no coração. Eu ficava imaginando como seria esse encontro. As pedras dessa muralha começavam a cair pelo caminho.  A cada mensagem o meu coração se enchia de amor e de esperança. Os anjos me protegiam nesse caminho. Eu nunca havia sentido isso. O meu pai era rígido na criação, não me lembro de um carinho na minha cabeça ou um beijo no meu rosto, até mesmo nunca havia ouvido uma palavra conforto. Infelizmente essa é a realidade, não estou julgando ele, foi um excelente pai, cuidou dos três filhos a vida toda. Que Deus o tenha.

Chegando a Saquarema sai à procura de um local para dormir, como era um dia de show do Gustavo Lima a cidade estava lotada e fechada para veículos. Um guarda municipal chamado “Bira” me abordou e disse que me reconheceu devido um acessório laranja na bicicleta. Ele disse que me viu em Niterói e durante a nossa conversa se emocionou com a história e indicou alguns locais para pernoitar. Depois de todo o tramite em desmontar as malas, arrumar as bagagens e tomar banho, sai para conhecer a igreja Nossa Senhora de Nazaré, uma centenária que fica no ponto mais alto da cidade, a beira mar e que tem um cemitério com uma vista fantástica do oceano. Vale a pena conhecer.

Na manhã seguinte passei de bike pelo mirante dessa mesma igreja e sai pela praia sentido Arraial do Cabo. Algumas pessoas locais me avisaram que a RJ-102(70 km) era esburacada e sem acostamento e resolvi seguir pela RJ-106(60 km), acho que deveria ter arriscado, essa estadual ficava entre o lago de Saquarema e o mar. Deveria ser um bonito visual. A viagem seria tranquila em relação à distância, só o relevo e a temperatura eram duvidas frequentes. Nesse trecho foi onde avistei inúmeras cruzes nos canteiros locais, um símbolo que indica mortes em acidentes. Muita gente morre em acidentes nessas estradas, perdi as contas de quantas cruzes avistei. Outra situação é a quantidade de aves, repteis e roedores mortos na pista. Muitos, falo de dezenas que avistei caídos nas estradas.

Sétimo dia de viagem (dois dias no local) - No caminho até Arraial do Cabo passamos obrigatoriamente por Salinas, ou pelo menos o que restou de uma grande empresa que extraia sal para comercializar. Acredito que ainda extraem e isso me lembrou do Salar de Uyuni na Bolívia. Eu percorri toda a Bolívia em 2014, passando pela estrada da morte, deserto altiplano boliviano, deserto de Sal, o Salar de Uyuni e as cidades de Oruro, Potosi, Sucre, Cochabamba, Santa Cruz de La Sierra, voltando para Corumbá/MS, isso no lendário Trem da Morte. Foram 21 dias em 2.000 km pedalados e muitas emoções!

Em Arraial do Cabo me deparei com uma legião de carros seguindo no trânsito caótico e eu sempre livre, leve e solto, transitando pelo acostamento. Ali pretendia conhecer o meu amigo de longas datas, o artista plástico Marcelo Beja. Um cara impar, que largou a carreira de empresário para viver da arte. Como ele sempre diz “eu reencarnei dentro da minha própria existência na terra”. Um cara super evoluído. Eu achava que ele tinha alguns chalés para e poderia me acomodar ou alugar, mas percebi que na realidade eu iria mesmo ficar no quarto para hospedes. Fique tão sem graça, pois não gosto de incomodar as pessoas, mas ele foi tão receptivo que me deixou a vontade. Foi uma alegria poder ficar mais um dia em sua bela casa e ouvir sobre a sua filosofia de vida e também em conhecer a sua esposa, a Áurea Bandeira. Uma pena que não conheci as suas filhas. Nem quando passei por Vitória, pois infelizmente teria que me apressar para cumprir o tempo de viagem. Arraial do Cabo é um lugar impar e aproveitei para pedalar e caminhar pelas praias lindíssimas, dar um mergulho em suas águas cristalinas. O mais interessante é que Arraial do Cabo é um arquipélago e de um lado as águas são quentes e do outro lado é gelada. A Praia Grande tem 57 km de extensão, ligando Arraial a Saquarema. Mas não dá para pedalar, infelizmente. Perde-se de vista o final da praia, parece uma praia do Caribe. O único problema é que o acesso à cidade é somente por uma via. Pode acreditar. Recomendo conhecer esse paraíso.

Nono dia de viagem - No dia seguinte despedi do Marcelo Beja e bem cedo sai pela cidade, não tinha carros e pessoas nas ruas. Segui pelo único acesso a rodovia e sabia que não conseguiria chegar ao meu destino antes do por do sol, ou seja, teria que dormir pela estrada. É por essa razão que levo os equipamentos para cozinhar. Até esse dia não havia furado um pneu e foi só pensar nisso que aconteceu, foram seis durante toda a viagem, sendo dois nesse mesmo dia. Os caminhões que rodam com o pneu até a lona solta arames que furam o pneu, transpassando até a fita antifuro. Aviso aos pedalantes, muito cuidado e se preparem nesse trecho. Um desses furos aconteceu às 17hs bem num posto de gasolina na estrada, o Posto Timbozão na Rodovia BR-101, Km 154 na região de Macaé. Fui obrigado a pernoitar nesse posto e a noite estava sentado em uma mureta e tinha três homens comendo e conversando, um deles me perguntou sobre a viagem e contei que estava indo de São Paulo a Itabuna, não falei sobre o real motivo. Ele disse que era pastor e pediu se poderia fazer uma oração para mim naquele momento. É claro que disse que sim e ai os três homens posicionaram as suas mãos sobre os meus ombros e começaram a orar em tom de voz médio. É sempre bom contar com palavras de motivação e conforto nesses momentos. Glória Deus, disse ao final. Eles partiram em seguida.

Pendurei a minha rede entre duas carretas de combustível no pátio, montei o fogareiro e fiquei por lá mesmo. Tomei banho em um banheiro que confesso ser um dos piores que já usei até hoje, mas estava preparado para isso. Confesso que dormi pouco por diversas razões, a antena estava ligada em relação à segurança no meu entorno da rede, estava preocupado com a bicicleta, tinha muitos pernilongos. A tela da rede rasgou em dois pontos permitindo o acesso dos pernilongos. Também tinha a movimentação dos bitrens de eucaliptos no acesso ao posto. Quando acessava o posto eles chacoalhavam tudo, inclusive balançava a minha rede e as duas carretas. O fator mais engraçado eram os roncos, pois é. Dois motoristas resolveram armar as suas redes ao meu lado e um deles parecia um trator desbarrancando um morro. O chefe do posto me ofereceu uma carona até a entrada de Guarapari, uns 110 km de distância, eu disse a ele que se aceitasse a carona a minha proposta de viagem com bicicleta perderia o sentido. Mas confesso que me senti tentado, até por que ao meio dia o sol era muito forte, tinha momentos que parecia que iria desmaiar com o bafo na estrada.

Décimo dia de viagem - O Marcel Foryta era um amigo do fórum de cicloturismo e me receberia pelo Warmshowers em sua casa. É um site de relacionamento internacional para viajantes de bicicleta. Existem muitos outros, mas todos voltados principalmente para mochileiros. O Marcel morava e trabalhava na Cidade de Campos de Goytacazes/RJ. Nesse trajeto tinha duas situações a escolher, ou eu enfrentava o calor sem o vento contra pela BR101, ou eu iria beira mar com o vento contra, mas sem calor. Mas depois de saber que no caminho pela praia eu corria o risco na entrada e saída de Macaé, acabei optando pela BR escaldante mesmo. Nesse dia o percurso seria dea 100 km até o centro de Campos. O Marcel iria me receber na cidade e nesse dia era feriado local. Chegando pela estrada ele estava no acostamento e fomos pedalar pela cidade e aproveitamos para almoçar, ele também me acompanhou ao banco para pagar umas contas e sacar dinheiro em espécie. O Marcel é um usuário de bicicleta que esta se preparando para uma longa viagem pela América do Sul. Ele  recebe viajantes de todo o mundo e ainda pesquisa sobre o temas para a sua viagem futura. Nesse dia a pedalada rendeu 100 km até o meio dia. O meu estilo de bagagem “bike Packing” proporciona velocidade. À noite fomos comer uma pizza e seguimos a pé mesmo, conversamos muito sobre vários assuntos relacionados à bicicleta, viagens e a minha em especial. O cara foi super receptivo e me senti em casa. Um grande anfitrião.  

Décimo primeiro dia de viagem (dois dias no local) - No dia eu e o Marcel saímos de madrugada pela cidade e ele me acompanhou até a rodovia. O Marcel entrava às 06hs no trabalho e casou com a minha saída. Nos despedimos e segui pela escuridão no acostamento sentido a divisa dos estados. Eu sabia que seria o dia mais puxado da viagem, pois seria 183 km até a casa do meu amigo de infância, o Ian Bergman em Guarapari. Um super brother que convivi na infância e parte da minha juventude. Eu havia visto ele pela última vez há 22 anos atás. Era uma viagem de reencontros e encontros. Eu só não sabia que em Marataizes teria o pior vento contra de toda a minha história no cicloturismo. E olha que já passei poucas e boas em Mendonza e no litoral do Uruguai. Nesse ponto da viagem um carro escuro emparelhou comigo na estrada e do vidro do passageiro aberto surgiu um braço com uma garrafa de água gelada. Um casal simpático a minha condição ofereceu uma garrafa de água e prontamente aceitei, agradeci dizendo que Deus abençoe a vocês. Por vários momentos me foi oferecido alguma coisa de presente, isenção de pagamento na estadia, carona no trajeto, guarida, água de coco, fiz até a barba de graça na cidade de São Francisco de Itabapoana, divisa do RJ com o ES.

Como já se não bastassem os perrengues, quando estava chegando e Guarapari, enviei uma mensagem para o Ian e ele me avisou que havia voltado a morar em Barra do Jucú, Vila Velha, ou seja, seriam mais 56 km e já era 17hs. Eu não gosto de pedalar no escuro. Sempre procuro me deslocar durante o dia. Eu queria rever o Ian e também não queria pagar mais um dia de hospedagem. Enfim, segui em frente e cheguei a casa dele por volta das 22hs, foram 230 km no total. O Strava nesse dia informou que eu havia consumido 5.000 calorias. Realmente eu já não aguentava mais pedalar, pensar e o vento contra, foram 140 km de vento contra me grande parte do percurso. Cheguei a Barra do Jucú e liguei para o Ian, não conseguia mais raciocinar. O escuro me travou a bussola (risos) e havia seguido pela rodovia e parado num posto da policia para pedir informação. Tive que voltar, pois passei alguns quilômetros do ponto da entrada. Quando cheguei ao bairro, as ruas tinham o piso de paralelepípedo, o que dificultava muito a pedalada, juntando com o cansaço, comecei a ficar esgotado.

Fazia 22 anos da minha última passagem pela Barra do Jucú, um lugar especial. Lá conheci o carnaval dos bloquinhos de rua, uma festa a moda antiga que as famílias se fantasiavam e iam para as ruas. Um momento especial e único. A família da esposa do Ian foi muito receptiva e acolhedora, mesmo depois de mais de duas décadas. Fico feliz em saber que o Ian esteja bem, casado e com duas filhas, a Lana e a Anne. Aproveitamos a noite para visitar a sua mãe, a querida Dona Marilena Bergmann, que agora era viúva do Sr. Ernest Bergmann, um alemão que junto com ela, deram a volta ao mundo em um fusca. Pois é. Ela me disse que nessa viagem nasceram os cinco filhos, todos em países diferentes e entre as décadas de 60 e 70. Nessa mesma noite descobri que a Dona Marilena tinha toda essa viagem em filme, um verdadeiro tesouro.

Ela sempre foi uma pessoa a frente da sua época, super ativa, escritora, vaidosa, autora de peças teatrais e, pertencente a associações culturais locais. Uma verdadeira layde. A sua casa sempre foi especial, mesmo quando ela morava no Estado de São Paulo. A sua casa é acolhedora e recheada de cultura, arte e bons fluidos. Ela continua firme, mesmo depois da perda do seu marido com 94 anos á três anos atrás e da morte prematura dos seus dois filhos, o Sandy e o Frank, acontecimentos lamentáveis. Que Deus os tenha. O Ian ainda tem duas irmãs, a Jeanine que mora no Rio de Janeiro e a Ina que mora na Inglaterra. Que Deus abençoe a todos dessa linda família. É sempre bom estar com eles, mesmo depois de muito tempo.

No dia seguinte eu fui com o casal passear pelo bairro, paramos para tomar uma cerveja em um bar local bem legal. Todos se conhecem por aqui. É curioso para nós da cidade grande, onde o individualismo impera. Nós conversamos sobre muitos assuntos, o Ian me lembrou de acontecimentos que eu já havia esquecido, inclusive falamos sobre a minha mãe. Quem bom que ele faz parte da minha história. Eu ainda reencontrei a Mara, que é irmã da Karina. Agora todos estão casados e com filhos. Todos me parecem super bem, acho que deve ser esses áreas praianos (risos).

Décimo terceiro dia de viagem – Acordei cedinho para aproveitar o frescor da manhã. Só consegui me despedir da Dona Magda Claide, a sogra do Ian. Ela super simpática e atenciosa me desejou boa viagem. A casa do Ian deve ter um 300 m2, com dezenas de cômodos (risos). Até hoje não sei onde era o quarto deles (risos). Nesse dia o meu destino seria a cidade de Linhares (169 km) e após passar por Vitória, só me restaria à fatídica BR-101 sob o sol escaldante. Quanto mais eu me aproximava do destino, mais meu coração disparava. A todo o momento eu imaginava com seria o encontro com a minha mãe. Uma avalanche de sentimentos bons e ruins passava pela minha cabeça.

Nessa parte do caminho eu já havia me cansado da praia, Eu queria mesmo era chegar a Itabuna dentro do prazo inicial. Uma frase que ficou na minha cabeça foi dita pelo Marcel em Campos de Goytacazes. Ele disse que as praias mais bonitas estavam entre Arraial do Cabo e Vila Velha, depois ou eram iguais ou inferiores. Então, borá focar na velocidade. Eu segui pela BR/101 e depois de passar pelos trechos em obras, os mais perigosos e chatos, isso entre as cidades de Serra a Fundão. O restante do trecho tinha acostamento e a rodovia era concecionada, ou seja, tínhamos uma rodovia melhor conservada, com pontos de apoio e principalmente socorro médico. Na estrada, depois de um pedágio um veiculo novamente emparelhou comigo e me ofereceu uma garrafa com suco de caju geladinho. A gente até assunta, pois as coisas não andam muito bem no Brasil. Meus amigos quando pedalam por alguns países na Europa relatam que as únicas coisas que ouvem são proibições de acampamento, altimetria e estrutura de acolhimento ao viajante, Nenhuma informação sobre insegurança, falo de assalto ou furto. Agradeci pelo presente e disse “Deus abençoes a vocês”. Isso me energizava.

Chegando a Linhares, bem no final do percurso, em uma das descidas intermináveis perdi uma das garrafas d’ água. O Denit faz “ranhuras” de alto relevo para escoar a água da chuva e isso dá um solavanco na bicicleta e a minha garrafa voou no mato. Acabei perdendo essa garrafa. A outra rachou devido à frequência de manuseio e vazou toda a água. Parei numa barraca bem simples, onde um ribeirinho vendia cachaça para motoristas, é verdade, estava escrito nas placas. Perguntei se vendia água, mas quando soube do real motivo da minha viagem, ele me presenteou com as suas garrafas de água. Detalhe, ele não vendia água. Olha a solidariedade das pessoas simples, bem maior que muitas pessoas no caminho.

Na cidade de Linhares fiquei em um hotel de R$40,00 a diária. A dica é chegar ao hotel/pousada e perguntar sobre a disponibilidade do quarto mais em conta. Depois você fala que vai visitar outros hotéis e sempre rola um descontinho. Pode acreditar! Peguei um quarto com internet, TV a cabo, ar condicionado, apesar de não usar, água quente e café da manhã. Veja como algumas cidades conseguem oferecer tudo isso a um custo inferior à  cidade de São Paulo. Só depende de nós exigirmos e fazermos a coisa acontecer. Com eu havia chegado tarde a cidade, não tive tempo de fazer um tour. Só fui a procurar o PF (prato feito). Linhares me pareceu uma cidade bem organizada. Pelo menos o viário e as calçadas eram.

Nessa noite lembrei que na saída de Vitória eu parei em um posto de gasolina para calibrar os pneus. Alguns ciclistas me abordaram para perguntar sobre a viagem. Eu já estava acostumando à curiosidade alheia, faz bem para nós essas abordagem e perguntas. Um senhor com uma criança na cadeirinha da bike pediu para ajuda a calibrar o pneu, de pronto ajudei. Antes de ir embora ele me parabenizou e avisou para tomar cuidado na altura da Reserva Biológica de Soorotema/ES, pois eu poderia ser atacado por felinos, fiquei incrédulo. Até estava pensando em acampar pela estrada, mas depois dessa informação desisti. Vou confessar que fiquei impressionado com as imagens de animais atropelados em banners na estrada na altura desse parque. Era nítido o abandono das estruturas voltadas ao turismo e a conservação do parque. Ele é lindo, mas a polícia ambiental não fica mais lá, o posto está vazio. As medidas tomadas com o intuito de proteger os bichinhos de atropelamento, na verdade, é fonte de multa e só aumenta a arrecadação, nada proteção dos animais. Segundo relatos não tem mais ação educativa, a vigilância contra os caçadores é pobre. A reserva está largada. Na pior das situações, posso estar enganado, é em não ter as passagens nas alturas e as subterrâneas, isso para os animais cruzarem a rodovia durante a noite. Essa reserva é gigante e cortada pela BR, os animais atravessam a pista e são atropelados pelos veículos em altíssima velocidade. Quisera eu ter um radar para registrar os veículos que passaram por mim. Muito triste.

Décimo quarto dia de viagem – Hoje gostaria de chegar a Teixeira de Freitas (230 km), mas era quase impossível, o máximo que conseguiria era chegar a Pedro Canário/ES (133 km). Fiquei num hotel Gaucho simples na entrada da cidade e jantei por lá mesmo. A cidade até então me parecia muito pequena. Nesse hotel me obrigaram a deixar a bicicleta na entrada do restaurante,  não deixaram subir para o quarto, uma pena. Esse hotel parecia que vinha ganhando puxadinhos e tinha escadarias vertiginosas. Tirei a roda dianteira e o selim com canote, pois mesmo sendo um ambiente interno eu tinha receio de ser furtado. Até chegar nessa cidade sofri muito com as subidas e a falta de acostamento. Era muita tensão com ônibus e caminhões que me ultrapassavam. Uma dessas carretas com areia passou em alta velocidade e perdi o controle com o vácuo, fiquei desgovernado e sai pelo canteiro entrando numa valeta de escoamento, foi a minha sorte. A minha velocidade era de 18 km e só não cai por um milagre. Era a segunda vez que era pego por um grandão desses, só que da outras vezes foi o vento e um grande susto, mesmo com o retrovisor no lado esquerdo. Só pedalo pelo bordo direito da pista.

Décimo quinto dia de viagem – No dia seguinte aproveitei o café da manhã e cai na estrada sentido Teixeira de Freitas/BA (98 km). Eu tinha alguns problemas, o primeiro começaria na divisa do estado da Bahia, pois com o fim da concessão, acabaria o acostamento. O segundo problema era o pedal querendo travar. Em alguns momentos ele virava junto ao eixo no pedivela. A paisagem também mudava um pouco de estado para estado. O Espírito Santo me parecia ter cidades mais desenvolvidas, enquanto o sul da Bahia me parecia ser ao contrário, falo das demais cidades fora Teixeira de Freitas e Eunápolis, que são cidades maiores. Eu já havia recebido a boa notícia no caminho, sobre o fim do acostamento na divisa de estado. Até brincava sobe se teria alguma noticia boa (risos). O Meu joelho direito voltou há doer um pouco, o que poderia ser o fim da ida com bicicleta, teria de pegar um ônibus. O joelho já vinha apresentando sinais e isso me preocupava. Será que eu estava em vias de ter de abortar a viagem. Seria frustrante e era um grande temor. Há dias eu já vinha passando uma pomada específica e vinha fazendo massagem, ainda tinha a câimbra na perna esquerda que parecia querer voltar. Acho que o ritmo que eu vinha fazendo começava a pesar sobre o meu corpo. Sabe a lei de Murphy? Então, quando tudo que parece ruim, sempre poderá ficar pior.

Pra ajudar a piorar as coisas, os elastômeros da suspensão dianteira cederam uns 08 centímetros, resumindo, a frente cedeu e as mãos faziam mais força contra o guidão, depois dos 50 km as mãos começavam a doer. Eu não achava uma bicicletaria para trocar esse item. Não era tão comum uma suspensão dianteira, só algumas lojas mais completas fazem essa troca dos chamados elastômeros. Só consegui trocar os pedais mesmo. Durante o trajeto parei em um posto e sentei numa mesa grande externa e fiquei bebendo um açaí com guaraná, tomei uns 50 desses no caminho, o Guará Viton, muito refrescante. Ele gelado me refrescava muito e toda vez que parava e tinha para vender eu comprava. Nesse local conheci o Maurício Prestes Szymanzuck, um proprietário do restaurante que ficou interessado no motivo da minha viagem. Ele gentilmente me ofereceu várias águas de coco e ainda disse que na volta eu poderia almoçar de graça no seu restaurante. Agradeci imensamente pela atenção e pelos presentes e segui viagem pela estrada. Também tirei foto com um motorista que se disse ciclista em Itabuna. Acabei me esquecendo do seu nome.

Décimo sexto dia de viagemNesse dia eu precisava chegar a Eunapólis (170 km). Sabia que seria um daqueles dias e só chegaria do final da tarde ou à noite. A estrada a partir do estado da Bahia não tinha mais acostamento e em determinados pontos o mato era da minha altura, eu precisa ficar olhando para o retrovisor constantemente e era cansativo, mas necessário. Não queria mais tomar um susto igual ao do dia anterior. Messe dia um ônibus me ultrapassou na meia pista na contramão, ele fez com que o mato alto agitasse no meu lado e no decorrer da sua ultrapassagem levei dezenas de chibatadas desse mato na cara, corpo, braço direito e na bike. Segurei forte para não cair ou ficar descontrolado. Isso era uma novidade, cheguei até a fazer piada do acontecido. Acho que fazemos piada de quase tudo depois da viagem, tudo é motivo para intermináveis conversas, principalmente com outros ciclistas e cicloturistas.

Chegando a Eunápolis sempre sigo as placas de rodoviária, fórum e prefeitura, pois tudo sempre costuma te levar para a região central e no centro temos os locais mais em conta, como também outros serviços, como refeição, bancos e lojas de produtos. Nesse caso segui a placa da rodoviária e como estava escuro segui direto, sem parar para perguntar, tinha placas para a cidade de Porto Seguro, gostaria de passar por essa Cidade, só que a minha meta era chegar rápido a Itabuna. Avistei vários hotéis nessa vicinal e quando cheguei à rodoviária, me informaram que deveria voltar para a BR e cruzar, seguindo sentido o Centro, ou seja, estava no caminho errado e já era 20hs. Eu estava suado e cansado e resolvi arriscar nos hotéis que havia cruzado, procurei um hotel bem simples, mas me custou R$ 120,00, uma fortuna. Também era bem chique, levando em consideração as bibocas que já havia ficado (risos).  O problema era o acesso a Porto Seguro, isso encarecia demais tudo na região. Fiz todo o procedimento de costume, tirar as bolsas, tomar banho, lavar a roupa no chuveiro e planejar o dia seguinte. Eu estava tão eufórico para chegar a Itabuna, que lavava a mesma roupa e botava para secar. Na manhã seguinte mesmo que secasse parcial vestia novamente. A camiseta amarela que parecia uma explosão de fluorerecente (muitos risos) era excelente para que os motoristas desavisados me avistassem. Então, adotei como segunda pele e já usava fazia uma semana.

Eu tinha várias teorias nessa viagem, uma delas era que a camiseta e o capacete amarelo florescente, o tênis que tem a parte traseira fluorescente, chamavam muito a atenção dos motoristas. A minha preocupação era os caminhões, principalmente aqueles que não eram do transporte de eucaliptos. Essas caras em sua maioria eram autônomos, nada contra, mas o buraco ai é mais em baixo. Quando eu avistava o carinha no meu retrovisor, rapidamente erguia a mão esquerda e gesticulava no sentido de avisar que eu sabia que ele estava chegado. Também fazia sinais de positivo, ok, e do “V” da vitória. No mesmo momento eles buzinavam e abriam para a contramão, depois que eles passavam eu retribuía a gentileza, pois, “gentileza gera gentileza”. Eu sempre recomendo que adotem essa prática. Quem não gosta de gentileza? Até mesmo o mal intencionado gosta.

Décimo sétimo dia de viagem – Nesse dia segui para São João do Paraíso (133 km) de distância. Logo na saída me deparei com duas situações interessantes, falo que a bicicleta é um instrumento mediador. Em um bar bem rústico e simples, conheci o Janderson, ele me recebeu super bem, chamou a família para me ver, não quis cobrar a garrafa de água e ainda pousou para uma das fotos que mais gostei. A outra era que acessei uma área de Assentamento do MST chamado “Paulo Kageyama”, fica no município de Eunápolis, sentido Itabuna. O pessoal foi receptivo e descansei um pouco por lá, molhei a cabeça e fui conhecer o local, ainda ganhei água gelada. Uma pena que em 20 minutos essa água gelada virava um chá (risos).

Em uma parada de rotina para descanso e hidratação, precisava muito, pois o calor era terrível. Fiquei no posto chamado Tucunaré II. Por lá percebi uns caras estranhos e tive novamente aquela sensação ruim de insegurança. Existe um problema recorrente que percebi durante as minhas paradas em postos e comércios locais. Falo do alto cosumo de álcool por parte de motoristas, motociclistas, ciclistas e transeuntes. O álcool faz com que as pessoas potencializem sentimentos e desejos, entre eles o de violência. Graças a Deus não aconteceu nada.  Quando cheguei à pequena cidade de São João do Paraíso Mascote, me hospedei num pequeno hotel chamado “Marques”, também só tinha dois hotéis na cidade. Um de cada lado da BR, mais nada. O mais curioso fora tudo o que já tinha visto, era que eu não tinha sinal de celular na cidade, a minha operadora é a vivo e estava morta (risos). Eu já estava acostumado a ficar sem sinal entre as cidades, agora saber que a cidade só tinha uma operadora é no mínimo curioso e inusitado. Imagina toda a estrutura de comércio, serviços e as pessoas ficarem sem sinal da operadora “OI”. Seria um “tchau para todos” (risos)

Décimo oitavo e o último dia de viagem – Nesse dia acordei sai com o coração na boca, literalmente. Tomei um café e parti prevendo a chegada a Itabuna (111 km) às 14hs. Eu estava bem condicionado, tranquilamente pedalaria 100 km sob o sol forte depois das 10hs. Ao passar pela cidade de Camacã parei em frente a algumas casas geminadas, estas que tinham as grandes “barcaças” na parte de trás e sobre o telhado. Esse era o nome dado para aqueles telhados que correm, deixando uma espécie de laje exposta, local utilizado para secagem do cacau. Fui recebido por moradores e conversamos muito sobre a cultura do cacau, todos foram bem receptivos, ainda mais depois de saberem sobre o real motivo da minha viagem.

Depois de mais alguns quilômetros parei em um comércio de beira de estrada. Havia dezenas de fazendas no estado com estruturas de extração e secagem de cacau, é claro que a maioria estava abandonada. Numas dessas foi que descobri o maior jequitibá do Brasil, visualizei-o de um mirante construído nesse comércio. Infelizmente o acesso ao jequitibá seria demorado e não poderia ser de bicicleta naquele momento. Por essa e outras razões resolvi deixar para outra oportunidade. Segundo o relato do proprietário, ele foi descoberto dentro em uma área de produção de cacau e essa árvore tinha 48 metros de altura, por 4,35 metros de diâmetro. Um funcionário desse estabelecimento informou que não tínhamos mais subidas, só descidas. Nem acreditei nessa informação. Quase pedi para ele me beliscar (risos), só para ver se não estava sonhando. Só foi noticia ruim até aqui, subidas, risco de assalto e a distância, sempre faltava mais do que eu achava e isso me deixava ansioso.

Desde que entrei no estado da Bahia, sempre me deparava com ambulantes no meio da pista vendendo suvenires, sempre na altura das pequenas cidades. O achava um perigo. Outra situação que chamava a atenção era só ter cruzado com três viaturas policiais e não ter nenhum posto da PF pelo caminho. Na contrapartida das coisas ruins, em uma das paradas para pegar água, isso no posto Trevo na cidade de Buerarema/BA os frentistas ficaram eufóricos e emocionados ao saber da minha história. Rapidamente chamaram o gerente, um comerciante local que estava por lá. Outro já quis falar sobre um projeto com jovens carentes que ele promovia, rolou muita conversa e bons fluídos. Já com as baterias carregadas, parti para um dos momentos mais importantes da minha vida, se não o maior.

A essa altura eu me sentia meio anestesiado. Acho que entrei em stand-by (risos). Era rir para não chorar. Na altura do Km 517, uns 18 km de distância de Itabuna, um veiculo se aproximou e o motorista gesticulou de forma a querer conversar. Era o Lucaseri Ribeiro, um ciclista idealizador de um pedal na Cidade de Itabuna. Logo mais a frete estava o Gilvan Francisco, Ana Salles, Luis Pedreira, Théssia Lira e muito outros integrantes do grupo. O grupo de pedal é chamado “Pedal Bom de Itauna”. Eles gentilmente me receberam na estrada e me escoltaram até o endereço da casa da minha mãe, no bairro Parque Verde. Pedalamos por boa parte da cidade e a cada quarteirão meu coração disparava. Eu não consegui prever a minha reação. Eu não sabia o que era ter uma figura materna, é difícil de explicar, só quem não tem saberia dizer. Nem tive madrasta. Eu estava tenso.

Já no Bairro Parque Verde, subimos uma rua sinuosa, viramos a direita, depois suavemente para a esquerda, descemos uma ladeira de asfalto ruim e depois de uma curva fechada para a esquerda paramos. Imagina 10 ciclistas e dois carros de apoio, Aquele monte de gente com roupas coloridas. Um calor de mais de 32 graus. Eu estava suando as bicas e a minha roupa de vaga lume já estava meio encardida. Não conseguia lavar direito a roupa em banheiros, ainda mais com sabonete. Durante o meu trajeto pelas estradas, a molecada me olhava nos acostamentos e o olhar ia passando até chegar ao tênis. Como essa geração adora tênis chamativos. No meu caso eu usava para reforçar a segurança na estrada.

O grupo de ciclistas estava parado e conversando sobre a rua estar certa ou errada. Não localizarmos o número que havia sido informado. Naquele momento, olhei para trás, lá no horizonte. Em uma curva onde já havíamos passado e avistei uma senhora, de pé ao lado de um poste de energia. Ela estava estática e nos observava, sem reação. Nunca tinha visto uma foto atual da minha mãe. Não sabia como era a sua aparência, o seu cabelo e o seu rosto. Aquela foto antiga em preto e branco, daquela menina com aspectos indígenas, um olhar perdido do ar, com cabelos negros e cumpridos, não era parâmetro para um reconhecimento imediato. Ainda mais naquela situação, com toda a pressão sobre mim. Havia muita tensão no ar.

Todos os sentimentos vieram à tona, foram despertados ao saber que iria encontrá-la. Nesse exato momento afloravam de forma avassaladora. Não acreditava que coseguiria reconhecer a sua fisionomia. Apertei os olhos para tentar visualizar aquela pessoa ao longe e nada de conseguir ver o seu rosto. Retirei os óculos escuros e forcei o olhar. Foquei no visual daquela mulher. Ela estava há pelo menos uns 200 metros de nós. O sol estava a pino e também não ajudava. O cansaço e a tensão daquele momento me impediam de raciocinar. Parecia à noite em que cheguei próximo à casa do meu amigo Ian na Barra do Jucú, Vila Velha/ES. Não tinha mais condição de um raciocínio lógico, pois o tempo parecia ter parado ao meu lado.

Todos os ciclistas pararam e olharam para mim. Eu estava imóvel e sem reação. Depois todos os ciclistas olharam para ela. Ela que continuava no mesmo lugar, imóvel. Foi ai que a sua mão direita se levantou sentido a nós e com um pequeno gesto de aceno. Todos voltaram a olhar para mim. Naquele momento a minha memória voltou para Dezembro de 2017, para todas as palavras das nossas trocas de mensagens, da conversa no decorrer da viagem. Lembrei-me de todas as suas palavras de carinho e de preocupação. Não conseguia associar as palavras a sua voz, como sempre fazemos mentalmente. Nunca havia ouvido a sua voz. Ela gesticulou novamente com a mão.    

Eu havia escrito um texto par ler no momento do nosso encontro, mas nesse exato momento a razão fugiu e a emoção tomou conta de mim. Nem me lembrei daquelas palavras que escrevi, que modifiquei, que corrigi e li e reli, por muitos meses, antes do nosso encontro.

  

 

 

Que DEUS abençoe a todos nós

Todas aquelas grandes pedras das barreiras que estavam entre nós nesses 47 anos, já haviam caído pelo caminho. Caindo uma a uma. Cada palavra de carinho derrubava uma pedra. E a luz do amor transpassava entre nós. Iluminava o meu caminho ao seu encontro. Eu estava a metros de distância da minha mãe. Pedalei lentamente até ao seu encontro. Eu ficava olhando o seu rosto, que transpirava um sorriso contido e apreensivo. Nem imagino qual seria a minha fisionomia naquele momento. Ao me aproximar, deixei a bicicleta cair no chão e segui em sua direção. Apesar de toda a tensão e a expectativa sobre esse encontro, eu ainda estava preocupado em abraçá-la. Pois estava todo sujo e transpirando e não queria grudar nela como um papel pega mosca (risos).  Olhei fixamente e sem trocar nenhuma palavra nos abraçamos por algum tempo. A minha primeira palavra foi, “oi mãe”. Foi à primeira vez que dirigi uma palavra para ela. Nunca havia falado por telefone. A primeira palavra dela foi “o amor não mede esforços e distância”. Foi a primeira vez que ouvi a sua voz. Ela me chamou de filho e perguntou se eu estava bem. Naquele momento eu só pensava no que iria falar. Tinha tantas duvidas e perguntas. Não sabia o que perguntar nesse primeiro momento e nem o que fazer. Fiquei sem reação.

Agradecemos a todos os ciclistas maravilhosos. Tirei uma foto com o grupo. A minha mãe me convidou para entrar e eles seguiram pedalando. Obrigado mais uma vez a turma Pedal Bom de Itabuna. Vocês são incríveis e maravilhosos! Entramos e sentei junto a minha mãe e a tia Lulu, depois veio a minha tia mais velha, a tia Mariazinha. Um anjo do bem, seguindo o que descobriria mais tarde.  Ela ajudou e ajuda muita gente. As tias me beijavam e diziam graças a Deus que nos conhecemos em vida. A minha mãe era uma mulher extremamente reservada. Ela não tirava fotos e não gosta de aparecer. Respeito a sua opinião e pedi para os ciclistas não fotografarem o nosso encontro. Depois fiquei sabendo que o ex-marido da minha mãe havia falecido no mês de Dezembro de 2017. Ela estava triste com o falecimento e em razão o meu meio irmão, Luiz Vladimir, não pode ter vindo da Europa para o velório e enterro. Todos estavam tristes com isso. Ela não queria nenhuma exposição em respeito a dor do seu filho.

Todos nós conversamos muito e a minha mãe me contou a sua história de vida, a razão da nossa separação, me contou alguns segredos íntimos. Acredito que queria me provar que estava falando a verdade, que lutou com todas as forças para poder ficar ao lado dos três filhos, mas como ela mesma disse. Uma pobre mulher do interior na Bahia não poderia competir com uma família rica da cidade grande. A minha mãe disse que nesse tempo a justiça era para os homens. A mulher era submissa e não tinha direitos. Ficamos por vários dias conversando e disse para ela que o meu pai tinha sido um pai cuidadoso, que ele nunca tinha falado mal dela e que a minha opinião sobre ele não poderia mudar, até por que ele não estava mais vivo e que agora era com Deus que ele revolveria tudo.

Durante minha permanência em Itabuna conheci três tias, dezenas de primos, a Telma, Reinan, Telmo, Isadora, prinos de primeiro, segundo e terceiro grau, vizinhos e amigos diversos. Saímos de carro para fazer uma via sacra na casa dos parentes e todos ficavam emocionados com o nosso encontro. Quem não conhecia a nossa história ficava incrédulo a com a nossa separação, também com a forma em que fui para Itabuna. A minha mãe disse que a minha avó “nona”, chorava muito e dizia que achava que nunca conseguiria conhecer os netos. Ela dizia que sabia que iria morrer sem nos conhecer e infelizmente foi o que aconteceu. Ela faleceu no ano de 2000. Uma das histórias que mais me encantou foi saber que a minha tataravó era uma índia Tupi Guarani, que vivia na selva no estado de Pernambuco. Ela falou que a minha tataravó foi perseguida e capturada por cavaleiros que a cercaram utilizando uma matilha de cães, todos eles eram liderados pelo Barão do Rio Branco. Esse homem havia ficado apaixonado pela beleza da minha tataravó, uma linda índia de olhos verdes. Eles se casaram e tiveram filhos. Fiquei sabendo também que a minha bisavó alforriou todos os escravos na fazenda Mata Verde, que fica na região do Recife. Fiquei sabendo que alguns dos escravos alforriados ainda eram vivos a pouco tempo, o que me emocionou muito. Queria muito ter conhecido eles. Pretendo procurar filhos desses escravos futuramente. Esse é a minha próxima viagem. Pretendo conhecer essa parte da minha história de vida.

Uma semana depois da minha chegada eu precisava voltar para São Paulo, precisava voltar ao trabalho. Tinha muitos compromissos na agenda. O meu primo me levou para a rodoviária e na saída da casa todos ficaram acenando e mandando beijos. Despedi e prometi que voltaria em Maio para ficar mais uma semana. Desde então mantenho contato diário coma minha mãe e tias.

Também tive a grata surpresa em conversar via aplicativo com o meu irmão caçula. Depois nos falamos por telefone. Ele está com 37anos, é casado e mora e trabalha em Luxemburgo. O Luiz Vladimir é um empresário que junto a sua esposa mantém um restaurante de comida brasileira na cidade de Letzeburg, na divida a Alemanha com Luxembourg.

A cidade de Letzeburg, em Luxembourg é o meu próximo destino em 2019. Pretendo sair de bicicleta de Roma na Itália, passar pela Costa Amalfitana, Toscana, Nápoles, atravessar a Suíça, seguir pela França até Luxembourg, depois de conhecer o meu irmão, continuo a viagem até a capital da Alemanha, voltando para p Brasil.

"A Felicidade só é completa quando compartilhada"  Por Christopher McCandless. Ninguém é feliz sozinho.







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