Alguns dias depois da morte de Márcia, ciclistas amigos dela fizeram uma manifestação pedindo segurança no trânsito. Um policial disse que eles estavam atrapalhando o tráfego e que se houvesse uma passeata para cada atropelamento na Paulista, a cidade iria parar para sempre. Fico pensando que era exatamente isso que devia acontecer: a cidade deveria parar a cada atropelamento com morte.
De alguma forma, quando um ciclista morre ele ainda é identificado como uma pessoa que morreu, recebe um nome na matéria que trata de seu atropelamento, os outros ciclistas se sente pessoalmente atingidos e fazem uma homenagem, discutem a banalidade daquela morte. Já a morte do pedestre é citada como causa de engarrafamento.
Hoje mesmo Talita me mandou uma matéria do G1 que achei chocante, embora todo dia matérias iguais sejam publicadas. Ela falava sobre um atropelamento na Paulista. No entanto, o foco da matéria não é o atropelamento em si, o estado da vítima ou que exatamente causou o acidente, mas o fato de que o corpo estendido na pista prejudicou o trânsito. A vítima não tem nem nome e foi levada em estado grave ao hospital. Duvido que amanhã informem se morreu, se ficou aleijada.
Na minha opinião, seria uma questão ética que a morte (ou quase morte) de uma pessoa fosse o centro da matéria, nunca, jamais, um detalhe de tráfego. Até porque engarrafamento em São Paulo é não-notícia. Notícia não é quando o cachorro morde a pessoa, mas quando a pessoa morde o cachorro. Tem engarrafamento em São Paulo todo santo dia, ninguém precisa ler o G1 para saber disso. Ok, também tem atropelamento todo santo dia, mas, se vamos dar essa não-notícia, que ela seja pro lado das pessoas, não dos carros.
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