domingo, 23 de novembro de 2014

Pedalando pela Bolívia - 2014

Por - Vanderlei José Torroni

Desbravar a Bolívia até o incrível Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundoEssa era a minha "missão", ou melhor, projeto.

Acredito que viajar para La Paz seja tão o mais caro do que seguir para outros destinos na América do sul, isto devido ao menor fluxo de passageiros e optei por fazer algumas conexões que levaram 24 hs entre São Paulo e La Paz. O maior problema em se levar uma bicicleta no avião é a polemica de qual é a melhor embalagem para o transporte nas companhia.. Todas discriminam em suas páginas qual é o seu regulamento. Algumas exigem que você coloque em uma caixa, outras permitem a mala bike(uma espécie de capa), ou que utilize o TrueStar SecureBag (embalagem em plástico filme verde). Em Santiago presenciei duas bicicletas sendo embaladas, mas a roda dianteira tem de ser retirada para chegar ao comprimento de 1,50 Mts. O peso internacional é 32 kg e o excedente doe no bolso da gente. Cobra-se U$D 20,00 pelo quilo excedente, no meu caso tudo pesou 35 kg, mas não me cobraram nos cinco check in feitos na ida e na volta.

O cicloviajante sofre para compactar toda a tralha no formato de três volumes, exigência legal das companhias. Como nas minhas viagens de bicicleta gosto de ser independente em todos os sentidos, me refiro a acampamento e comida, preciso levar muitos itens, mas dependendo do destino, aconselho deixar para comprar tudo o que é industrializado na cidade chegada. Não vale a pena pagar o excesso por exemplo para enlatados. Também costumo levar comigo um dos alforjes(bolsas especiais de viagem de bicicleta) que tem alça de bolsa, onde coloco os eletrônicos, notebook, GPS, rastreador, celular, máquina fotográfica, gopro, etc., até por serem pesados e por questão de segurança.

Percebo que as pessoas em aeroportos se impressionam em ver alguém transportando uma bicicleta, mas é algo comum em outros países. Aconselho aos futuros viajantes analisar a possibilidade de comprar ou alugar uma bicicleta no seu destino. Conheço muitos viajantes que compram e vendem a bicicleta no país de destino. A minha fiel companheira é uma MTB marca italiana Vicini ano 2000, onde inseri suportes especiais para "alforjes", dianteiros e traseiros, os chamados bagageiros e um guidão borboleta para cicloturismo, além de pneus apropriados. Não são grandes mudanças. Qualquer bicicleta, desde que seja nova ou revisada pode fazer cicloturismo. Já li relato de viajante que usou uma barra forte. Não existe uma regra especifica para se fazer cicloturismo, depende do tempo, distância e local. É claro que a qualidade do material determinará uma viagem sem maiores problemas. Eu nunca tive problemas mecânicos e no ano passado na Argentina e Uruguai não furou um único pneu em 1.900 km.     

A viagem tinha duas propostas. A primeira era desbravar o país de norte a sul, a segunda, promover a aproximação do cicloturismo brasileiro e do boliviano, bem como desenvolver cicloativistas naquele país. Eu sabia que seria necessário começar do zero, pois já havia sondado e pesquisado. Meu projeto teve o apoio do cônsul da Bolívia em São Paulo, Cláudio Luna Marconi, e do coronel Raúl Jaime Mostacedo Lazcano, o adido Policial da  Bolívia no Brasil. Recebi o documento oficial apoiando essa integração na embaixada em São Paulo, como também tive um acompanhamento por redes sociais e telefone celular. Tudo bem que o meu telefone não funcionou e que a internet seria precária em quase todas as cidades, fora La Paz, Uyuni e Santa Cruz de La Sierra. Mas o transponder enviaria mensagem e SMS diariamente para algumas pessoas, entre elas o adido policial.  

Em La Paz me reuni com o  assessor  J.J. Mauricio Belmonte Pinuán e entreguei a carta de apoio. Elle adorou a ideia,  começou a falar sobre o que a bicicleta representada em sua vida. Disse que quando representava o seu país na China só usava bicicleta como meio de transporte e que na argentina seguia por ciclovias. Pensei, bingo. Se a pessoa tem relação com a bicicleta, mesmo que só seja por laser, facilita na conversa e o entendimento. Não que os demais sejam fechados para o assunto. Só não foi possível tirar uma foto com o Presidente Evo Morales, uma de minhas metas. 

Você pode estar se perguntado. Mas qual a finalidade disso tudo? Quero estimular bolivianos que curtem a bicicleta, que pedalam regularmente ou mesmo só por lazer, a se articular e cobrar os seus governantes quanto a promoção no uso da bicicleta. O documento foi entregue ao governo e também deverá ser entregue a candidatos a cicloativistas em Santa Cruz de La Sierra, a única cidade em que foi detectado grupos já formados e articulados.



Em La Paz tentarei encontrar ciclistas que tenham uma relação mais política com o uso da bicicleta. Sei que não poderei pedalar devido a altitude, mas seguirei de táxi nessa geografia acentuada e também programarei a descida pela estrada da morte em Coroico. A mais perigosa estrada de Downhill (forma do ciclismo que consiste em descer o mais rapidamente)  do mundo!!! 



Conhecer a Bolívia em cima de uma bicicleta, literalmente, não deve ser a opção da grande maioria das pessoas. Mas posso afirmar, que a bicicleta humaniza, proporciona maior interação como o meio ambiente, principalmente pela baixa velocidade. Para mim, a bicicleta proporciona um maior contato físico e visual, tanto para o ciclista, quanto para as pessoas a sua volta.

























Nesses três dias em La Paz, desci a estrada da Morte em Coroico. A mais extensa e perigosa estrada de Downhill do mundo. Três semanas depois da minha descida, morreu mais um turista por lá. Fiquei sabendo que o ciclista foi fazer um selfie pedalando e caiu do penhasco. São 56 km de descidas, sendo 32 em asfalto e 24 em estrada de rípio, meio a selva e penhascos em todo o percurso. Extremamente perigosa, mas deliciosa. Recomendo a todos os corajosos e aventureiros. Indispensável se visitar a Bolívia. A minha turma era inteira de ex soldados Israelenses. Visitei museus, degustei pratos típicos, perambulei por toda a cidade e ainda fui no maravilhoso teleférico. Recomendo. São dois e em pontos distintos da cidade.




Antecipando o fim da "aclimatação" e extremamente ansioso pela partida, sai pela chamada auto pista, mal sabendo que iria subir 400 metros de altitude, indo para 3.700, seguindo por 10 quilômetros. Acha fácil. Vai lá tentar pra ver o que é subir antes da "aclimatação", com 40 kg de bagagem, mais os meus 90 kg e mais 19 kg de peso da bicicleta. Somaram! 149 kg. Podem acreditar.
Segui subindo e fazendo algumas paradas, para retomar o fôlego, já pensando em onde  pernoitaria. 



Com a chegada ao topo, comecei a seguir pelo altiplano, passando pela caótica Achocalla, um macro distrito de La Paz. A partir deste ponto, seguiria pela Ruta 01 e 04 com retas intermináveis. A meta do dia seria chegar antes do anoitecer na cidade de Calamarca. Consegui chegar, foram 70 km nesse primeiro dia, bem tranquilos e com muitos curiosos no caminho, fora as dezenas de buzinadas como saudação de motoristas, só não contava que esta cidade não teria nenhuma infraestrutura para viajantes. A minha sorte foi que um morador me avisou, que pedalando mais uns 10 km eu teria um hotelzinho na beira da estrada.





O hotel não era um sonho de consumo, mas se tratando do percurso escolhido, tinha ciência de que não haveria boas opções no caminho, mas eu também estava disposto a acampar, se necessário é claro, mesmo com as baixíssimas temperaturas na madrugada. Para minha sorte o hotel estava sem energia, não tinha café da manhã e wi-fi. O meu celular não funcionava desde que cheguei a Bolívia. Minha sorte é que tinha banho quente devido a energia solar. Então, corri aproveitar o banho quente, pois ainda tínhamos luz do dia.



No dia seguinte, mesmo com uma péssima noite de sono, acordei as 6hs e as 7hs já estava na estrada. Tinha fechado todos os acessos a minha pele com bandana, calças de ciclismo, blusa de manga longa e luvas fechadas nos dedos, todo paramentado. Você pode achar que o sol esta delicioso, mas ele castiga demais. No primeiro dia não usei as luvas fechadas e tive queimaduras de primeiro grau nas duas mãos.



Precisamos sair determinados com uma cidade como meta para se chegar, se possível é claro. O meu destino era a cidade de  Ayo Ayo e tinha  90 km de percurso, com direito a centenas de buzinadas com acenos de crianças e adultos, muitos vinham em minha direção para conversar e me motivavam com palavras de carinho e força. Acredito que seja  raro ver cicloviajantes nesta rota. Algumas pessoas que conversei me disseram estar encantados em ver um "gringo" viajando em uma bicicleta. Carros, vans, motos, ônibus, entre outros, mas cicloviajantes não. Era uma novidade e até a policia e o exercito acenaram me dizendo palavras de motivação.










Se na próxima cidade não tivesse "guarida", digo, local para pernoite, teria que acionar o plano "B" de barraca, mais saco de dormir (-8º), isolante térmico, roupas de 1º, 2º e 3º pele, fogareiro para cozinhar da MSR, panelas especiais para camping, etc... Tudo o que precisava para ser "autônomo". Detalhe, água, só para beber e fazer comida. Banho, nem pensar. É gente, esta é a realidade de se pedalar em áreas remotas, onde água é um luxo.







Depois de algumas centenas de quilômetros pedalados, passando por Patamaya, Sica Sica e neste último percurso, inacreditáveis 168 km. Cheguei a Caracoullo, extremamente debilitado fisicamente. Mal conseguia pedalar e adentrei  a cidade perguntando por um local com banho quente. Já faziam alguns dias que não tomava banho. No dia seguinte, sai determinado a chegar a Oruro, uma grande cidade que fica a 180 km de distância. Durante todo o percurso, tinha a minha volta um deserto extremamente quente e um vento contra, sempre após ao meio dia. Comecei a lembrar que em minhas pesquisas de trajeto, uma pessoa havia comentado de um evento contra sempre após o meio dia, nos dias anteriores ele até estava brando. Foram dezenas de quilômetros de retas com vento forte dessa vez, que me fazia parecer estar subindo.









Durante os dias seguintes, passei pelas cidades de Machacamarca, Poopó, seguindo até Challapata. A partir de Santiago de Huari, mas precisamente depois de 25 km, sabia que estaria entregue a sorte. Um Boliviano havia me informado que a estrada paralela ao Salar de Coiapasa tinha 250 km de piso de rípio, com as temidas "costelas de boi". Sabe quando em uma via de terra passam muitos carros e ela fica com costeletas no piso, que chacoalham até o celebro da gente? Bem, como sempre falo, para mim o universo conspira. Eu acreditava em um milagre nesse percurso. Bom, vamos deixar pra sofrer no dia seguinte, eu não conseguiria chegar antes do por do sol.




Sai pela estrada, mais de vagar como de costume. Imagine que você segue em média a 10 km por hora. Então, para conseguir pedalar 100 km você levaria 10 horas, certo. É isso mesmo, extremamente lento e sacrificante, mas tem muito prazer nesse tipo de viagem. O que mais nos aflige é a saudade da família, dos amigos e principalmente do seu país. O psicológico é o fator mais pesado em uma viagem de bicicleta, ainda mais quando se está sozinho e a milhares de quilômetros da sua casa.







Nesses últimos quilômetros do dia, como de costume, ficava observando as residências na estrada para pedir guarida. Todas as casas durante o meu percurso eram feitas de uma espécie de tijolo baiano revestido de barro. Os indígenas e moradores locais colocam os tijolos empilhados na beira da estrada de forma cônica, com barro revestindo as entranhas dos tijolos, uma espécie de meia "chaminé". Ilustro para que vocês consigam imaginar. O que acontece. Com o vento forte e a poeira que se propaga, mais as rápidas chuvas que caem em dias alternados, os tijolos vão se revestido de barro. Verdade. Eles constroem as suas casas, que são aquecidas durante todo o dia e a noite ficam quentes e protegem do frio intenso e vento forte.








Sabem como eu sei? Eu dormi em casas assim, garagens e antigos locais de moradia humana, que estavam sendo utilizados como armazéns. É, fiquei aquecido nas noites em que passei nesses locais. É claro que meu saco de (-8º) ajuda bastante. Nesse dia, conheci um indígena muito legal. O Denis. Ele, além de me acomodar em um local que aparentemente era importante para ele, pois tinha material diversos, ainda ficou conversando comigo, tirou água do poço, para me dar para beber e me lavar. O presenteei com uma pá especial que se fecha, que havia levado para a viagem, mas estava achando que não precisaria. Fiquei ao lado do seu pequeno rebanho de vacas. Nem me incomodaram, nem as incomodei.









Nos dias que seguem, passei pelos vilarejos de Severuyo e Oniroca,  todos como aparentes casas dormitórios. Os seus moradores trabalhavam e durante o dia pareciam vilarejos fantasmas. Só os cachorros que sempre queiram me morder. Teve um dia, que uns 6 cães saíram correndo atrás de mim e tiver que ameaçá-los e de pedalar com mais força no chão de terra fofa. Imaginem se caísse. Perdi as contas das dezenas de cães que me atacaram. Por que será que cachorro não gosta de ciclista, né.



Após os dois últimos vilarejos, cai na fatídica estrada alternativa sentido o Salar de Uyuni. Não queria seguir do outro lado da pré cordilheira, pois por lá aumentaria em mais 300 km a minha viagem, fora as subidas. Eu já estava extremamente desgastado com todo o deserto e o calor. Ter que levar três garrafas com um total de 6 litros de água para o consumo diário era sacrificante, mas necessário. Eu estava pesado demais. O mais incrível é que não furou um pneu em toda a viagem. Graças as Deus, a Pneus Kenda, as câmaras de ar Pirelli e principalmente, as benditas fitas anti furo.



Como eu esperava que o universo novamente conspirasse. O governo federal estava começando a pavimentar a terrível estrada de rípio. Que beleza!! No começo, tinham máquinas trabalhando e tive que seguir por uma via paralela, parecia uma estrada de areia beira mar. Muito difícil de se trafegar, mas acreditada ser por poucos quilômetros. Depois de uns 10 km, consegui entrar na estrada semi nova, mais inacabada, esta que ainda não tinha asfalto, mas era de pedrisco prensado por rolo compressor. Foi bem tranquilo por mais de 120 km. Só que com o passar dos dias, percebi que não havia uma viva alma no entorno. Só lhamas selvagens. Não havia casas. Esporadicamente passava um veículo da empresa de pavimentação pela antiga estrada paralela de rípio. E eu seguindo pela inacabada.






Com o passar do tempo e após muitos e muitos quilômetros rodados, fiquei apreensivo, pois sabia que em algum momento a estrada acabaria e que seria obrigado a seguir pela antiga estrada. Quando faltava uns 60 km para chegar a Uyuni, acabou a mordomia. Entrei na estrada de rípio e com intermináveis "costelas de boi". Andava pela estrada, passando do canto direito para o esquerdo, e depois  para o centro, sempre procurando uma faixa de piso menos difícil. Mas era em vão. Tudo era ruim e penoso. Costela de boi, areia fofa, pedras, subidas, calor, mas era necessário enfrentar este desafio e já sendo 16hs, só tinha mais algumas horas de luz. Sabia que não conseguiria finalizar este percurso antes do por do sol. Eu deveria estender ao máximo e como sol se põe por volta das 19hs, lá pelas 18hs começaria a procurar um local longe da estrada e seguro do vento para montar a barraca.

Já se passavam 10 km e percebi que me restava mais 500 ml de água potável. Não havia local para conseguir água, nenhuma casa ou lago, pois assim poderia inserir uma das minhas pílulas de hipoclorito de sódio e purificar a água. A pior coisa é ingerir água contaminada e provocar diarreias. Já ouvi relatos de pessoas que ficaram debilitadas por quatro dias devido a água contaminada. A dica para quem compra água envasada é, sempre comprar garrafa de água com gás. Não é possível reenvasar água com gás, agora sem gás é perigoso em áreas muitos remotas e suspeitas. Os caras enchem a garrafa e lacram. Podem acreditar.




Por vários trechos com subidas intermináveis tive que empurrar a bicicleta, o solo era fofo e as rodas deixavam a pedalada pesada ou as rodas começavam a afundar. Agora só me restava 300 ml de água e não conseguia mais pedalar devido ao solo fofo e o cansaço. Lembrei nesse momento que um homem havia me falado que encontrara um ciclista, nessa mesma via chorando e exausto. Eu não podia me deixar abater com pensamentos desse tipo.

Já havia perdido a noção de tempo e distância e a minha bicicleta estava caída na estrada e eu olhava em 360º, meio desorientado, tentando pensar em estratégias para aquele momento. Não sabia como seria a minha noite só com mais dois ou três goles d'água. Não conseguiria fazer o meu macarrão, com molho de sardinha sem ter água suficiente. Fora que a falta de umidade, faz com que a sua boca seque e até a língua fique seca. É necessário ficar molhando a boca a cada meia hora. Passou um caminhão basculante no sentido oposto, mas não parou aos meus acenos. Só queria pedir um pouco d'água. Eu me preparava para pedir água para algum carro que passasse só para me manter durante a noite. Mas não tinha mais uma alma viva alma nessa estrada gente. Que desespero. Não via nada no horizonte, somente morros e mais morros.

De repente, surge um land rover  que para ao meu lado. Uma miragem. Com ele uma nuvem de poeira gigante por alguns segundos. Eram os irmãos Mary Dupuy (Spanish) e o Giancarlo Lusi(France), do projeto "messagers autour du monde", uma linda viagem pelo mundo, 40.000 km em 60 países em um ano de viagem. A Mary me perguntou do banco do carona se estava tudo bem comigo. Depois descobri que o Giancarlo também era cicloturista e que tínhamos 10 amigos em comum no Facebook. Todos cicloturistas mundiais.




Eu disse que estava sofrendo com o tipo de solo e que sabia que não conseguiria chegar a Uyuni no mesmo dia. Mas que fazia parte da minha proposta de viagem e que precisava enfrentar. Ela me perguntou como estava a minha reserva d'água, pois não havia mais nada até Uyuni. Como já havia dito anteriormente, deixaria tudo na mão de Deus. Sei que no final tudo daria certo. Nesse momento lembrei das minhas viagens anteriores, onde afirmava para mim mesmo que em momentos de extrema dificuldade, seria necessário baixar a guarda e aceitar ajuda. Devemos sempre ter a consciência que não precisamos provar nada pra ninguém. Em situações extremas, você pode ficar debilitado e até comprometer a sua viagem.

Ela perguntou se eu gostaria de seguir com eles, por esses últimos 20 km, isto segundo o GPS do carro. Pensei, olhei para os lados, para os 100 ml de água, que ainda me restavam e não hesitei em aceitar a carona. Deus é grande meus amigos. Colocamos todas as bolsas e tralhas na traseira do carro, ajeitamos a bicicleta por cima de uma lona no teto do veículo, prendendo-a com dois elastômeros especiais pra bike.

Pronto. Quando é que eu teria a oportunidade de conhecer pessoas tão iluminadas. Dar a volta ao mundo é coisa para poucos mortais nesse nosso mundo, gente! Quem sabe um dia conseguirei esse feito com a minha bicicleta. Deixa a minha mulher ouvir isso!!!

Partimos sentido o Uyuni, eu meio sem jeito, pois não nos conhecíamos e precisava conquistar a confiança desses novos amigos. A Mary me disse que faria uma rápida parada para fotografar e lanchar, como tudo é muito prático nesse tipo de veiculo, todo adaptado para aventuras pelo mundo, procurei ajudar na montagem e desmontagem. Acredito que começamos a conquistar a confiança mutua. Era importante.

Quando passamos pelo portal de acesso ao Salar de Uyuni, a Mary me convidou para seguir com eles, até o museu de sal e a praça das bandeiras no centro do Salar. Depois, percebi que se não tivesse ido com eles, talvez nem conseguiria chegar nestas áreas pedalando. A Cidade de Uyuni fica a 25 km do Vilarejo de Colchani, este que fica a 5 km do inicio do Salar.





O inicio do Salar é meio marrom,  sal com terra dos inúmeros carros e caminhões que trafegam. Nessa época, começa a inundar a região sul do Salar, portanto, para você chegar as áreas mais famosas é necessário tempo e disposição e um carro alto. Um ciclista pode não conseguir ir e voltar no mesmo dia com uma bicicleta, fora que comprometerá todas as engrenagens com a água salgada.

Só para se chegar ao museu de Sal e a praça da bandeira, seria necessário adentrar mais 40 km, a Isla seria mais 60 km. O que acredito que seria inviável com a bicicleta devido a distância e os fortes ventos de frente, fora o piso, pois as bordas das imagens hexagonais, são em altíssimo relevo e difíceis de ser rodadas com uma bicicleta. Só quem passa de bicicleta por lá para saber.

O Salar de Uyuni é a maior planície de sal do mundo, com extensão 270 km e comprimento e 80 km de largura, isso segundo o GPS Iridium do Land Rover, muito distante dos tão falados 10.582 quilômetros quadrados na Wikipédia. Quem será que está errado? O Salar esta localizado nos departamentos de Potosí e Oruro, no sudoeste da Bolívia, perto da borda da Cordilheira. Estes 10.582 podem estar sendo representados por  duas áreas, o Salar de Coipasa e o de Uyuni. Boa pergunta agora, hein.

A quantidade de sal do Salar de Uyuni é estimada em cerca de dez bilhões de toneladas, dos quais cerca de 25.000 toneladas extraídos por ano são transportados para as cidades. Além disso, é considerado uma das maiores reservas de lítio do mundo. O lago no Salar é quase livre de qualquer tipo de animal. Ele é um terreno fértil apenas para espécies como o flamingo da América do Sul. Durante a estação chuvosa, a crosta de sal pode ser coberta localmente na parte sul com alguns centímetros de água, de Novembro a Fevereiro. Mas este ciclo está atrasando e acreditam que seja devido ao aquecimento global. Com a exceção da costa barrenta, o Salar tem uma crosta de até 40 metros de espessura.







Depois de rodar com os novos amigos, fui deixado a salvo no centro da Cidade de Uyuni e logo procurei um hostal bem baratinho, pois a verba é curta. Dos meus quatro potenciais patrocinadores, um não me retornou mais, outro disse que acreditava que não poderia me ajudar e a companhia aérea no último dia se posicionou contrária a isenção na passagem. Que beleza. Mas tudo bem, não sabem o que perderam. Depois de alguns anos, você fica vacinado quanto a isso.

Mesmo com uma excelente proposta de  publicidade, apoio oficial da maior ONG de ciclismo no Brasil, do governo Boliviano, e também com muitos veículos dispostos a publicar matérias sobre a viagem, algumas empresas não fazem as contas do custo beneficio dessa simples e barata proposta.


Só a Free Force(www.freeforce.com.br) ficou ao meu lado e apoiou nessa viagem. As belíssimas roupas de ciclismo foram elogiadas por várias pessoas devido a sua excelente qualidade e design.


Obrigado ao Rafael Oliveira, marketing da Free Force.








Agora passeando pela famosa cidade de Uyuni, esta que por sinal é bem simples, mas acolhedora e cheia de opções de turismo. Quantos estrangeiros gente, principalmente alemães. Com a minha roupa de ciclismo e como uma bermuda comum por cima, pois estava muito frio. Fui de bicicleta até o cemitério de trens. Passeio imperdível. A Bolívia investiu pesado na exportação de minérios. Para escoar essa produção, foi construída uma grande malha ferroviária que tinha como ponto principal a região de Potosí departamento (estado) que a cidade de Uyuni faz parte. Infelizmente na década de 40, o grande comboio começou a parar devido a crise na área de mineração, ficando de lembrança somente restos enferrujados das poderosas maquinas. A inevitável foto que todos fazem deitados nos trilhos com a visão interminável da linha no horizonte é de praxe.

No dia seguinte parti sentido a Cidade de Potosi, depois para Sucre. Nessa ultima cidade passei a pedalar no inicio da área de selva, ou seja, fim do altiplano desértico. De Sucre parti pedalando achei que conseguiria seguir para Santa Cruz de La Sierra. Impossível. Em Santa Cruz eu teria a maior integração com ciclistas Bolivianos, o Bici Revolucion (https://www.facebook.com/BiciRevolution?fref=ts). Um grupo criado para compartilhar as experiências e a paixão pelo esporte de Mountain bike em todas as suas formas.

Como já era esperado, as estradas eram assustadoramente altas e beirando precipícios, no começo foram só descidas, mas assim que comecei a ver as obras de reconstrução da estrada, comecei a ficar preocupado, lembrando o fatídico rípio antes de Uyuni. Conversei com um morador local e fui aconselhado a embarcar em um ônibus, pois a estrada em determinado ponto passaria a ser de terra e iria chover nesse dia.


Parei em um pequeno comércio local, soltei as malas da bicicleta e fiquei a esperar o tal ônibus. Passada umas duas horas, avistei um grande ônibus branco, parecia de dois andares, mas só tinha um. Era bem alto. Acenei e ele parou. O condutor informou que custaria 60 bolivianos a minha passagem e mais 30 para a bicicleta. Ele abriu um grande porta malas traseiro, coloquei a minha bicicleta em pé, presa com cadeado na estrutura, para não sumir no trajeto. Fiquei preocupado se o balanço não danificaria o quadro, mas não tinha o que fazer. Seja o que Deus quiser, pensei.

Com o passar dos quilômetros, percebi que foi a melhor coisa a fazer, pois demorou 12 horas para chegarmos em Santa Cruz, a estrada é terrivelmente assustadora e nunca rezei tanto na minha vida. Juro. Pensei que fossemos cair do penhasco em vários momentos. O ônibus passou por estradas de terra com penhascos e só via montanhas e mais montanhas, intermináveis. Eu era o único estrangeiro nesse ônibus e fica estarrecido com as pessoas jogando tudo pela janela, garrafas, fraldas, etc., como se fossem acertar lixos posicionados na estrada.

Um passageiro me falou que a policia controlava os motoristas, pois alguns utilizavam de folha de coca com outras substancias, para se manter acordado e cumprir a ida e volta. Acontecera inúmeros acidentes nessa estrada. Em certa parada, na via, as pessoas faziam as suas necessidades fisiológicas, também desci e percebi todos se utilizavam do entorno no ônibus, mato, barranco, sem cerimônia, até as mulheres indígenas. Bem, vamos dançar conforme a música, não é! Fazer o que gente.

Cheguei a Santa Cruz de La Sierra e achei mais seguro ficar aguardando o amanhecer na rodoviária. Umas duas semana antes, havia assistido um documentário falando que esta cidade estava em uma importante rota de narcotráfico. Estava muito preocupado com a minha segurança. Ao amanhecer, montei as bagagens e segui a procura do Loro Loco Hostal (https://www.facebook.com/lolohostel?fref=ts), que pela internet pareceu ser bem aconchegante. Era maravilhoso e cheio de gente legal. Suiços, Alemães, Australianos, Chilenos, Argentinos, etc...

No dia seguinte me encontrei com alguns ciclistas e pedalamos pela cidade para conhecer pontos importantes. Aproveitei para começar um dialogo de convencimento do ilustre amigo Johmar Ramses Fernando Sanjinez Suarez( https://www.facebook.com/Johmar.Sanjines?fref=ts),  no estimulo como liderança no cicloativismo regional e quem sabe nacional. Tudo esta caminhando para que ele tome a frente, até já fizemos contatos políticos para engajá-lo na causa. Ele também receberá cópias dos documentos Brasileiros. Um cara nota dez.

Em meu penúltimo dia nessa cidade maravilhosa, onde temos uma praça central que nos arremete a Europa. Nunca estive  por lá, mas que sabe nos próximos anos não faço uma viagem por algum país por lá. O Johmar me convidou para degustar pratos típicos em um dos melhores restaurantes da cidade, que fica no melhor hotel da cidade. O Camino Real Hotel (http://www.caminoreal.com.bo) , depois fomos pedalar com um grupo maravilhoso de ciclistas, por uma trilha que passa por uma região chamada Porongo, passamos pela mata, rios e parques. Fantástico.

No último dia nessa região, decidi seguir no famoso, temido e falado trem da morte. Ele sai de Santa Cruz de La Sierra e vai até Puerto Quijarro, na divisa com o Brasil. Na estação de trem fui abordado por agentes da policia Boliviana com uniforme da Interpol. Me pediram a documentação e apresentei. Estava tudo regular. Já o meu amigo Italiano do Hostal, que gentilmente quis me acompanhar para me ajudar na compra da passagem, havia esquecido a sua carteira de identidade. Fomos encaminhados a sede da Interpol, na própria estação e me detiveram, recolheram meus documentos e me deixaram esperando em um banco na área da estação. Tudo muito suspeito. Pediram que o Italiano fosse buscar os documentos. O mais absurdo é que eu que estava regular fiquei detido, agora ele, é que foi buscar os documentos. Depois o italiano apareceu e estava com os meus documentos na mão, nada dos policiais. Segundo o italiano, eles pediram uma propina (caixinha) de U$D 50,00.

O famoso lendário trem da morte - mas haja paciência: No regional são mais de 19 horas de sacolejo! No Expresso Oriental, o que peguei, o trajeto é feito em cerca de 16 horas. Já o "Ferrobus", o mais bacana, tem vagões com cama e gasta menos de 14 horas. Com o RG e o certificado de vacina contra febre amarela em dia, é preciso apenas disposição para embarcar no lendário trem da morte. Ele é operado por uma companhia privada, a Ferroviária Oriental. No site da empresa (www.ferroviariaoriental.com), dá para consultar horários e valor das passagens. Mas atenção: não rola de comprar o bilhete pela internet.

Antes de voltar para La Paz, agora saindo de ônibus direto para a capital, para depois retornar confortavelmente de avião para o meu querido Brasil, pedalei até a divisa com o Brasil e depois até Corumbá, mas tive mais alguns outros imprevistos, tais como a queda da internet em toda a cidade de Puerto Quijarro, onde esperei por três horas para passar pela fronteira e depois, quando pedalava passando pela receita federal já no Brasil, fui levado para uma área reservada, sendo questionado e revistado em todas as bolsas da minha bicicleta. Os fiscais achavam que estava contrabandeando ou traficando. Depois explicaram e até ficaram fazendo perguntas sobre a finalidade em pedalar tanto. Ficaram interessados nesse tipo de viagem. Até me senti um E.T. sobre rodas.

Definitivamente, mesmo depois da grande pressão psicológica, dos perrengues diversos, muito sofrimento, sede, frio, momentos tensos, entre outros, recomendo a todos que visitem a Bolívia, país extremamente receptivo a brasileiros. Um povo simples e trabalhador. Um país que está crescendo e que segundo todos que conversei, tem um governo que esta distribuindo renda, fazendo casas nos vilarejos mais remotos em que passei. Um excelente custo beneficio para se viajar, não deixem de descer a estrada da morte em passeios organizados de bicicleta por agências. São mais de 20 empresas Não se aventurem a descer sozinho. Visite Copacabana, o Lago Titicaca, a cidade de Cochabamba, principalmente a Santa Cruz de La Sierra, e, por fim, o emocionante deserto Salar de Uyuni. Um passeio que todo o ser humano deve fazer uma vez na vida.

Diversifique, conheça, faça e aconteça, pois, dessa vida, só levamos as experiências adquiridas, nada mais.



Seja feliz. 

Um comentário:

  1. Fiquei feliz, fiquei emocionado, seu texto me trouxe recordações suas e da Bolívia...!!!

    Estou orgulhoso de você... parabéns Vand.

    cicloabraços
    joaozinho

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